PAULO JOSÉ MIRANDA
Desejo
A pele alva, o esplendor do inverno, o desejo.
Tocávamo-nos de tão perto, ríamos,
junto a um muro ervas rasteiras, nem um beijo.
Daqui ouvíamos a voz dela nesta praia
«... as flores, os caminhos, a solidão,
provavelmente o que mais retenho de Agostinho
Baptista, o que mais gosto, tu não?»
Mas do que gostava mesmo era dos seus olhos,
da sua boca, de imaginar como seria.
No carro vi as suas pernas conduzirem-me.
«... sim, sim. É o mais antigo e o mais moderno
dos poetas d'hoje...» Parou, saímos.
Junto ao mar doía a demora da entrega.
O vento, contrário ao previsto, ajudava-a
e foge-me com gestos precisos «... no fundo
não sei bem porque gosto dessas metáforas.»
Sentámo-nos. «A poesia deve ser assim,
imagens vindas de longe por uma dor tão perto.»
(de A Voz que nos Trai, livros Cotovia, 1997)
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