JOSÉ BLANC DE PORTUGAL
As coisas são para que sejam não
para
que as escrevamos As palavras são
pa-
ra serem ditas Não para que as
escre-
vamos Se escrevemos é para dizer o
que
as palavras não são
De aqui a construção de todas as
artes
poéticas que se fazem com poemas e
não
com palavras Como os tijolos nas
casas
Mas as casas não são tijolos,
pedras ou
cimento
Os poemas têm dentro vidas — não
uma
só vida e as palavras são a
caixa, o
frasco, a lata O invólucro que
se dei-
ta fora após o consumo do produto
Esse
é que é o poema que se consome
Ainda
que fiquem registados Como as
fotogra-
fias dos mortos O produto é
fármaco
feito segundo a arte
Que pode ser apenas a forma de
mexer
as mãos Ao lançar palavras no
papel Ou
de mover os lábios Ao dizer o poema
que não se escreveu
O resto são coisas secundárias
As re-
ceitas baseadas nos poemas só
servem
para as imitações
O poema imita o poeta e as suas
cria-
ções Imita o que o poeta cria do
cria-
do
O resto é ganha-pão de
professores e
críticos Que muito divertem o
poeta a-
fadigado Quando decide descansar
e não
fazer poemas
6.10.70
(in Viola Delta, volume XIX / Maio de 1994)
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