19.8.18


MÁRIO AVELAR


APRIL LOVE – ARTHUR HUGHES

a José Tolentino Mendonça

Esmagado ainda pelo peso
da cor, da mancha sufocando o espaço
sobre Saulo… a conversão, como
Caravaggio a concebeu… absorto,
no meu rumo íntimo
para Damasco, regressava
de Santa Maria del Popolo, pela
Via del Corso, quando a voz
De um anjo me interpelou…
a mim, apenas a mim, nos versos
do meu amigo Francesco:

E qualcosa rimane,
fra le pagine chiare,
fra le pagine scure.

Seria o seu rosto como
o céu de abril?

Dela retive apenas
a silhueta sentada
numa cadeira de rodas.

Revi-a meses depois,
ao regressar uma vez mais de
Santa Maria del Popolo.
Na Via del Corso, pois bem.

Agora, que o espanto
se ausentara, olhei-a
sem pudor, detive-me no
rosto cortado pelas rugas –
não era este o de um céu de abril.

Entre a alegria e a dor,
perplexo fiquei perante a
prótese metálica… e a velha
guitarra acústica.

Mas a voz… a voz, essa era ainda a
de um anjo.


(de No Rumor das Imagens, in Coreografando Melodias no Rumor das Imagens, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2018)



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