30.7.05

MANUEL ALEGRE

O oitavo soneto do Português Errante


Fui Gonçalo da Maia o Lidador
campeando por meu reino imaginário
e entre ser e não ser em Elsenor
já fui o desditoso o solitário.

Fui Príncipe banido deserdado
treze vezes cativo em Aquitânia
trago um país de exílio desterrado
na grande solidão de Lusitânia.

Viúvo sempre de qualquer idílio
eu sou o peregrino o desditoso
que a si mesmo se busca e não se encontra.

O meu próprio país é meu exílio
por isso o meu combate é sem repouso.
Eu sou o que nasceu para ser contra.

(de Atlântico, 1981)
[à memória do QFM]

PIERRE TEILHARD DE CHARDIN


Saudades ao Joseph. Incito-o a sondar os veios de quartzo dos granitos.

(final de uma carta aos pais datada do Cairo, em 9 de Maio de 1906, in Cartas do Egipto, Tradução de Camilo Martins de Oliveira, Livraria Morais Editora, 1967)

25.7.05

MACHADO DE ASSIS

Quanto à idéia (...) declarou-a sublime e verdadeira, e acrescentou que era "caso de matraca". Esta expressão não tem equivalente no estilo moderno. Naquele tempo, Itaguaí, que como as demais vilas, arraiais e povoações da colônia, não dispunha de imprensa, tinha dois modos de divulgar uma notícia: ou por meio de cartazes manuscritos e pregados na porta da Câmara, e da matriz; ou por meio de matraca.
Eis em que consistia este segundo uso. Contratava-se um homem, por um ou mais dias, para andar as ruas do povoado, com uma matraca na mão.
De quando em quando tocava a matraca, reunia-se gente, e ele anunciava o que lhe incumbiam - um remédio para sezões, umas terras lavradias, um soneto, um donativo eclesiástico, a melhor tesoura da vila, o mais belo discurso do ano, etc. O sistema tinha inconvenientes para a paz pública; mas era conservado pela grande energia de divulgação que possuía. Por exemplo, um dos vereadores (...) desfrutava a reputação de perfeito educador de cobras e macacos, e aliás nunca domesticara um só desses bichos; mas tinha o cuidado de fazer trabalhar a matraca todos os meses. E dizem as crônicas que algumas pessoas afirmavam ter visto cascavéis dançando no peito do vereador; afirmação perfeitamente falsa, mas só devida à absoluta confiança no sistema. Verdade, verdade, nem todas as instituições do antigo regímen mereciam o desprezo do nosso século.

(excerto do conto O Alienista, 1882)