13.2.19


THEODOR W. ADORNO


Sentis a poesia lírica como um elemento de oposição à sociedade, de natureza totalmente individual. A vossa resposta emocional insiste que assim permaneça, que a expressão lírica, em fuga das coisas materiais, evoque a imagem de uma vida liberta da coacção da prática dominante, do utilitarismo, da pressão obstinada do instinto de conservação. Contudo, esta exigência, em relação à poesia lírica, a reivindicação da palavra inviolada, é, em si mesma, de natureza social. Ela contém em si o protesto contra uma situação social que cada individuo vive como hostil e alheia, fria e opressora, e é pela negativa que essa situação se inscreve na composição poética: quanto mais pesada é a sua carga, maior a intransigência com que o poema lhe resiste, não se vergando a nada que lhe seja heteronómico e constituindo-se inteiramente de acordo com a sua própria norma. O seu distanciamento da pura existência converte-se na medida do que esta tem de falso e nocivo. Em protesto contra essa realidade, o poema exprime o sonho de um mundo onde a vida fosse diferente. A idiossincrasia do espírito livre contra a violência opressiva das coisas é uma forma de reacção contra a reificação do mundo, o domínio das mercadorias sobre as pessoas que se difundiu desde o início da Modernidade e que se desenvolveu a partir da Revolução Industrial, a ponto de se converter na força preponderante da existência. O rilkeano “culto dos objectos” insere-se igualmente no círculo mágico dessa idiossincrasia, enquanto tentativa de atrair e dissolver objectos estranhos no campo da expressão pura e subjectiva, conferindo credenciais metafísicas à sua estranheza; e a debilidade estética deste culto dos objectos, este gesto arremedando o oculto, mescla de religião e artes aplicadas, deixa simultaneamente entrever o peso efectivo da reificação que já não se deixa dourar com uma qualquer aura lírica, nem abranger pelo sentido.
Dizer que esta ideia, que para nós se converteu num dado imediato, praticamente numa segunda natureza, é de teor integralmente moderno, não é senão exprimir de outro modo a essência social da poesia lírica.


(excerto da conferência Poesia lírica e sociedade, proferida em 1957; tradução de Maria Antónia Amarante, Angelus Novus, 2003)