31.3.12

FERNANDO ESTEVES PINTO


Improvisas uma forma de aceitação enquanto escreves.
Por exemplo o tempo a semear estacas
em redor do teu pensamento.

Também Ellington sopra pregos harmoniosos
numa intensa dança ao ritmo do medo.

Uma imagem de alicerce a ruir:
tudo o que reúnes na tua loucura.

Como um programa de entretenimento
os rostos fermentados num silêncio ofensivo
os aplausos do desespero quando a razão
é a arte das palavras interiores.

Nenhuma multidão é um antídoto
para os múltiplos rostos que exibes
em confronto com o fragmento feliz.


(de Área Afectada, Temas Originais, 2010)


DUKE ELLINGTON


 


30.3.12


[a propósito da notícia divulgada e desenvolvida pela Joana Lopes neste post]

RUTH FAINLIGHT


Seres Fabulosos

É difícil não pensar no Atlântico
e no Mediterrâneo como dois
seres fabulosos, às vezes guerreando-se,
outras em paz. Tantos mitos
e histórias registam os seus encontros
em Tanger, Tarifa, Gibraltar...

Mas para mim, o encontro dessas águas
é significado não por bandeiras ou estátuas
mas por barcos a meter água atafulhados de pessoas
desesperadas para alcançar a fronteira final
antes de serem apanhadas por uma lancha de alta velocidade
da polícia, ou afogadas numa tempestade...

O que eles sonham: ser acolhidos algures
a norte do Mediterrâneo,
longe do Atlântico, é pouco provável
que aconteça. Aqueles seres fabulosos
que lhes controlam o futuro raramente concedem
boa fortuna - indiferentes como o oceano.


(traduzido por Helena Barbas, in No Cais da Poesia 2, editorial Teorema, 2006)