4.8.06

MANUEL TEIXEIRA-GOMES

(...) De resto o estilo não é e talvez nunca fosse mais do que a tendência constante para a perfeição pessoal, a exclusiva maneira, rude ou elegante, de exprimir que satisfaça o escritor...; e quem nada tem que dizer também não tem estilo algum... Por isso eu nunca pregaria revoluções artísticas - tão conforme estou com todos os géneros, ainda os mais contraditórios ou heterodoxos, quando me sensibilizem, como se diz no já ferrugento chavão -, além de me parecer que pregar «estética» será pregar desesperadamente em deserto inóspito...; mas o assunto é encantador para íntimas palestras! E muito à puridade lhe direi quanto se me afigura condenável que as regras ponham estorvo ou apreço de qualquer talento... Cuido até que um talento pouco literário pode ser mais proveitoso à riqueza da língua do que o mais ponderoso e versado humanista. Não faltam exemplos históricos de línguas empobrecidas por excesso de claridade e ressecadas à inclemência dos preceitos infrangíveis, que necessitaram de muita «corrupção» para desferir na íntegra a gama dos meios-tons, onde a cor se conjuga ao sentimento, e, despegada a ideia da rigorosa propriedade dos termos, fermentaram em frases iriadas que, alargando a vida, sugerem sensações inefáveis... Em geral a «corrupção» não vai além dos alisados rebocos, e severas escaiolas mercê das quais os espíritos gregários sequiosos da disciplina grata à pânria ousaram mascarar as formas libérrimas, ou tentaram empecer os movimentos do organismo activíssimo que uma língua viva constitui...
(...)

(excerto de uma das cartas que servem de introdução a Agosto Azul, 1904)

3.8.06

MARTIM DE CASTRO DO RIO

Perdi-me dentro de mim como um deserto
Minha alma está metida em labirinto,
E posto em tal perigo, já me sinto
Cair noutro maior, nele encoberto.

Tenho o socorro longe, a morte perto,
Pois vivo do que temo e do que sinto,
Se alguém me quer valer não lho consinto
Por vir o que receio a ser mais certo.

Nova invenção do mal, novo tormento,
Ser cutelo da Vida a própria Vida
Ser desatino usar do pensamento:

Vingai-vos dor cruel, dor conhecida
Que o vosso pesar sei do entendimento
Que em grande dor, não há vida comprida.

(do Cancioneiro Fernandes Tomás, séc XVI, transcrito por Francisco de Sousa Neves, in Revista da Biblioteca Nacional, Julho - Dezembro de 1989)


MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim

(...)

(início do poema Dispersão, in Dispersão, 1914)