13.1.08

ÁNGEL GONZÁLEZ

IV – ZONA RESIDENCIAL


Até um cego podia ter adivinhado:
a perfeição reside nestas ruas.

Os ruídos, os cheiros,
o timbre delicado
das vozes humanas, o júbilo
dos latidos,
o rumor harmonioso dos autocarros,
a discreta presença dos lilases,
inclusivé
os bons ares que difundem o seu aroma,
revelam, sem ser preciso mais,
isso que o olhar
comprova

          nas pombas viandantes

(indolentes na hora
de abandonar os bocados
de pão, pese a obstinada
irrupção de passos e pneus),

na atitude cortês dos jardins
particulares

              (generosos não só
na distribuição de pólen e fragrância
mas também dedicados à entrega
do próprio corpo das flores
que se oferecem, abertas e submissas,
entre as grades e sobre os muros),

nas pessoas e nos seus atributos:

crianças
(bicicletas e risos niquelados),

Militares
(de alta graduação, sem sabre
nem escopeta, só
com artrites e condecorações),

adolescentes
(de formato agradável, encadernados
em pele de qualidade insuperável)

donzelas
(de serviço doméstico
- bem entendido -
também belas debaixo
das toucas),

e outros seres adultos
(senhoras de bom porte, cavalheiros
de excelentes modos,
carteiros pressurosos,
condutores cortezes)...

Tudo, em resumo, o que vêem os olhos
ou escutam, tocam, cheiram os sentidos,
é sintoma, sem dúvida,
da bondade, da ordem, da fortuna
que há-de albergar um mundo tão perfeito.


(de Tratado de Urbanismo, tradução de Helder Moura Pereira, Fenda edições, 2001)

[Vd. referência ao Autor, e respectivos links]