30.1.09

ADÍLIA LOPES

Os peixes brancos


Um dos grandes temas da actualidade
é sem dúvida esta panela de esmalte
cheia de peixes brancos como panos
a cozer ao lume perguntar-me-ão
mas o que é que lhe aconteceu com os peixes brancos?
e eu perguntar-vos-ei
o que é acontecer?
esses peixes brancos aconteceram-me
eu mal olhei para eles
eles nem me viram
julgam que com as pessoas de quem
eu estou sempre a falar me aconteceu
muito mais do que com esses peixes brancos?
realmente aconteceu (os peixes brancos ainda não
me feriram) mas elas devem ter-se
apercebido tanto disso como esses peixes brancos
a minha vida está cheia de
importantíssimos peixes brancos
(não são para mim, são para o meu gato,)
Onde é que eu já a vi
Parece-me que é uma Ana Bela
que conheci há muito e muito tempo
não lhe vou falar lembro-me eu melhor
das outras pessoas do que elas de mim
e não tenho nada para lhe dizer
parece-me daquelas pessoas
que não vão a uma loja para comprar coisas
mas para serem compradas pelas coisas
que será feito da mãe da Ana Bela
estava convencida de que o mais importante
a fazer nesta vida era ser a esposa
de um sócio gerente da fábrica de
impermeáveis Parabellum inquiria
antes de convidar as meninas que a Ana Bela
conhecia o que é que os pais delas faziam
o teu aspira a sala? não faz nada?
o teu é escritor? mas isso dá alguma coisa?
o teu morreu? já não faz nada!
só o pai da Ana Bela fazia
alguma coisa que dava alguma coisa
a Ana Bela é que já deve ter descoberto
que os impermeáveis Parabellum
não fazem a felicidade de toda a gente

(de Um jogo bastante perigoso, edição da Autora, 1985 – um dos 500 exemplares deste livro, o primeiro da Autora, está a leilão num estabelecimento que ultrapassou há pouco a mítica barreira das 11,749 visitas)

29.1.09

EASTWOOD DA SILVA

287. Salvo excepções, só se deve falar de coisas desagradáveis na perspectiva de as resolver, não como assunto de conversa.

(de 535 Máximas 535, &etc, 1999)

28.1.09

CARLOS MOTA DE OLIVEIRA

(excerto de) Estou Assim Uma Obra Feita

Também é verdade
que não meto
dente nenhum meu

em questões
de
Estado

ou em
assuntos

de Defesa
Nacional

e muito
menos

dou com
a língua
nos dentes.

Naturalmente,
olho
por olho

ou dente
por
dente

são
expressões

que
não uso.

E se
luto pouco

com unhas
e
dentes

é porque
já dei
muito ao dente

especialmente
chocolates
e carne picada.

Eu sei que há
dentes de siso

dentes do pente
dentes de velha

dentes de serra
dentes de leite

e até dentes
de
alguma engrenagem

mas o que agora
me interessa
é apenas contemplar

enxaguar
lavar
e escovar

quer
o marfim

quer
o esmalte

quer
o cimento

dos dois
coxos
caninos

que ainda
carrego na boca

e que têm
a
graça

ou
a loucura

de almoçar
comigo

todos
os dias

e até
ao
último ai

(de Este Outono Sobre os Moveis Doirados, edição do Autor, 2005)

27.1.09

RAUL DE CARVALHO

ESOTERIA


Tenho mais que fazer que reler-me.
Reler-me custa. É pensar prisioneiro.
Nenhuma, cadeia nenhuma serve ao pensamento livre
E a cadeia que em nós pomos na cabeça
é a pior,
é a pior de todas.
Já alguém alguma vez viu no ar um pássaro voando com as suas próprias asas? não, isso é engano.
O pássaro que voa, voa ajudado pelo vento.
E faz de conta
que asas não tem.
O ar o ajuda? Talvez... O ar o ajuda…
Se o pássaro, porém, quiser voar
duas vezes:
não voa, não voa!, com as dele mesmo
asas.
Dele é e não é o voo que lhe pertence.
E irrepetível é o ar que o move.
Dentro de si circula.


(de Um e o Mesmo Livro, 1984)
Adenda ao post anterior:

A antologia
Os dias do Amor Um poema para cada dia do ano
leva a chancela da editora Ministério dos Livros
e será apresentada por Sérgio Godinho,
na próxima quinta-feira na FNAC do C. C. Colombo

26.1.09



Já está nas livrarias a antologia
Os dias do Amor Um poema para cada dia do ano,
365 poemas de amor de 365 poetas de todos os tempos e de todos os lugares.

Posso testemunhar que, mais do que uma antologia de poemas de amor, esta é uma antologia que resulta do amor da Inês Ramos pela poesia.
O prefácio é do Henrique Manuel Bento Fialho, o que só por si é um bom sinal.

Como se não bastasse, na primeira apresentação deste livro haverá leitura de poemas por Maria do Céu Guerra, Álvaro Faria, Cristina Paiva, João Brás e Tiago Bensetil.

Será já no próximo dia 29 de Janeiro, na Fnac do Colombo, pelas 18h30m.

Estão agendadas outras apresentações nos seguintes dias e locais:
Porto: El Corte Inglés, 5 de Fevereiro, 19h30m
Viseu: Fnac Palácio do Gelo, 6 de Fevereiro, 21 horas
Faro: Livraria Pátio de Letras, 14 de Fevereiro, 17 horas
Évora: Bibliocafé Intensidez, 14 de Fevereiro, 21h30m


O texto
que valter hugo mãe leu no dia 16
na apresentação de
Para que ninguém sobreviva ao perdão,
de Pedro Gil-Pedro
(Cosmorama edições)