18.7.07

AMADEU BAPTISTA

LUDWIG VAN BEETHOVEN: ODE AN DIE FREUDE, DA SINFONIA No. 9


Não sei se isto é um hino e os anjos
precisam deste instrumento
para ampliar o silêncio. O que sei
é que chega de longe esta surpresa
de poder segmentar em força o coração
que em mim pulsa e eu não sei
de onde vem quando na música
pressinto um tema que só aos anjos pode pertencer
pela pujante candura dos acordes
e a humilde magnificência da alegria.

Tudo quanto ignoro é que está bem.


(de O Bosque Cintilante, Juntas de Freguesia de S. Lourenço e de S. Simão (Azeitão), 2007 - Prémio Nacional Sebastião da Gama)

16.7.07

RUTE MOTA
Nasceu em 1980.
Publicou prosa e poesia no DN Jovem e contos nas revistas Periférica e Pessoal. Tem publicado na revista on-line Minguante e colaborou na antologia poética Poesia no Porto Santo (P.E.N. Clube Português, 2006), com a tradução, a partir do francês, de alguns poemas de Maram al-Masr. Mantém o blog Esta distância que nos une.



Falam-me de náufragos
e de barcos à deriva –
e é o meu nome como uma prece.

Falam-me dos barcos e dos gritos
dos homens – e eu simulo o sono
como se deles não soubesse.


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Memorando para o presente infinitivo:

abrir janelas nas linhas contínuas como paredes

afastar-me e deixar à terra a guarda
da imperturbável hibernação dos bichos

deixar as palavras expostas
para que ardam ou gelem ou se recuperem

e só depois voltar à casa
ao desarranjo possível dos quadros.


_____________


Esse gato ―
senhor único
do meu colo.

Patas brancas
majestosas ―
não me iludo.

Outro trono
não conhece
que não o sol.

Anoitece ―
a terra toda
submetida.

_____________


Se a voz, pequeno segredo
se desfaz –
na voz, outros segredos
se levantam.

_____________


Do silêncio, se é de vidro,
faço estilhaços ― e não lamento:
que reflictam gumes e lâminas
fiapos multiformes, gritos
luzes se ainda as houver.


(de Nenhuma Palavra nos Salva, editora Livro do Dia, 2007)