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12.10.11

ANTÓNIO FRANCO ALEXANDRE


PRIMEIRAS MORADAS
3


rir não sossega, a terra
só pouco a pouco dura. não existe
coisa nenhuma que se não visite;
a pastilha do ar dá-nos o grito
certo no som, no gosto, no ruído;
já as coisas visíveis aborrecem.

inverno a mais ou menos vou viver
uma arte cheiínha de razões
numa casa de viscos permanentes. hoje
é manhã cedo no célebre paquete
desembrulhado a meio pelo cais
e doces serpentinas, apetece

mascarar-nos tamanho natural,
a pele contra a pele, que surpresa
sentir a fina, fria porcelana!
tão pouca graça achamos
nas palavras, a vazia
conversa dos postigos.


(de As Moradas, 1987)

21.5.10

ANTÓNIO FRANCO ALEXANDRE


syrinx, ficção pastoral


XI


Está tudo errado, tudo, ou quase: na verdade, apenas
um salto quântico de computador,
um fio trocado na electrónica mente
que manda nos horóscopos, e já se perde
a metamorfose de outro sapo;
não encomendei! não pedi! não quero
no lugar reservado à favorita imagem
este caso-problema que se droga e vende
e tem de todo errada a identidade,
a idade, o sexo, a cara indiferente.
Quando abre a boca avisto com terror
a língua, inteira, rósea, e gengivas com dentes
capazes de ladrar, de me morder,
de em público me dizer inexistente,
de me abrir pelo meio e me tirar
tudo o que tenho, como um ladrão demente.


XII

Fico interdito, não sei

de que lado me hei-de pôr,

que sabonete se usa

em que mão, se é bem preciso

lavar sempre as almofadas,

se se permitem as rimas,

onde fica o alçapão.

Já faltei à minha jura,

fumei cinza, comi vento,

abri fendas na janela,

pendurei-me no jardim;

só subindo aos ramos altos

é que enfim adormeci;

sonhei que estava dormindo

numa folha de papel

amarela, de cetim.



(de Quatro Caprichos, Assírio & Alvim, 1999)