11.1.06

[no dia em que, na Terra, passam todos para o mesmo dia]

PABLO NERUDA

Ode à alegria


Alegria
folha verde
caída da janela,
minúscula
claridade
recém-nascida,
elefante sonoro,
rutilante
moeda,
às vezes
pequena faísca,
mas
sempre melhor do que isso:
o pão diário,
a esperança satisfeita,
o dever cumprido.
Alegria,
porque fui mal aconselhado,
desprezei-te.
A lua
desencaminhou-me.
Os antigos poetas
vendaram-me os olhos
e junto de cada coisa
um halo sombrio
deixei.
Sobre a flor como coroa negra,
sobre a boca amada
um triste beijo.
Mas ainda não é tarde.
Deixa que me arrependa.
Pensei apenas
que se queimava
o meu coração
na sarça do tormento,
se a chuva molhava
as minhas vestes
na comarca roxa do luto,
se fechava
os olhos à rosa
e bulia na ferida,
se partilhava todas as dores,
eu ajudava, assim, os homens.
Não fui correcto.
Enganei-me no caminho,
mas hoje chamo por ti, alegria.

És
necessária
como a terra.

És pura
como o pão.

Como a água dum rio
és sonora.

Voando repartes o mel
como uma abelha.

Alegria,
eu fui um jovem taciturno,
achei que a tua cabeleira
era escandalosa.

Mas não era verdade, soube-o
quando no meu peito
a sua torrente rebentou.

Hoje, alegria,
encontrada na rua,
longe de qualquer livro,
acompanha-me:

contigo
quero ir de casa em casa,
de aldeia em aldeia,
de bandeira em bandeira.
Tu não és só para mim.
Iremos às ilhas
e aos mares.
Iremos às minas
e aos bosques.

E nem só os solitários lenhadores
as pobres lavadeiras
ou os agrestes, veneráveis
canteiros,
me hão-de receber com os teus frutos,
mas também os congregados,
os reunidos,
o sindicatos marítimos ou madeireiros,
os valentes rapazes
em luta.

Ir pelo mundo contigo!
Com o meu canto!
Com o voo entreaberto
da estrela,
e com o júbilo
da espuma!

Com todos cumprirei
o prometido
porque a todos
devo a minha alegria.
E ninguém fique surpreendido por eu querer
entregar aos homens
os bens da terra
pois lutando aprendi
que é meu dever terrestre
propagar a alegria.

Assim, cumpro o meu destino
com o meu canto.

(de Odes Elementares, tradução de Luís Pignatelli, publicações Dom Quixote, 1977; 2ª ed.: 1998)

9.1.06

[outros melros XXXIII]

JOÃO JOSÉ COCHOFEL

IX


Um melro mudo
veio pousar aqui
neste ramo.

Porque te calas?
Porque me calo?

Já lá vai a tua e a minha primavera.

(de Quatro Andamentos, 1964)