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12.2.18


CATARINA SANTIAGO COSTA


Haverá quem queira roer-te a líbido
só porque o teu sexo tem a forma de um grão de café
com molusco dentro. Mas tu
mantém-te livre sempre.
E o que é ser livre senão cultivar e colher
aquilo que nos hidrata e nutre
dos alicerces à água-furtada.

Há um homem no bairro que me olha com os dentes todos,
um homem pequeno com um filho mais pequeno que ele
por sua vez pouco maior que a minha pequena,
um homem com um cão corpulento
e uma dentição tão feroz como a dele.

Um dia esse homem vai agarrar-me
seviciar-me, apostado que está em
amestrar-me, tornar-me servil
– é isso que temo e me diferencia
da vizinhança masculina.

Está tudo bem por ora:
cheguei sã e salva a casa,
a porta, o cofre-forte e o frigorífico estão intactos
os iogurtes: frescos e dentro do prazo
as plantas desabrocham
as abelhas polinizam lá fora.
Tudo está em ordem.


(de Filha Febril, Douda Correria, 2017)

19.6.16

[outros melros LXIX]

CATARINA SANTIAGO COSTA

És um melro azul-ígneo,
os meus tímpanos vibram com os teus gorgeios
 ouço o que cantas, não o que dizes.

Pergunto-me se preferia ser a magnólia
pesada de folhas e flores gordas
que terias por morada
ou um parasita mínimo,
alfaiata de bainhas e mielina
que se aconchegasse no teu cérebro,
assomasse à escotilha do olho
a ver-te o voo.
Sairia depois pelo teu bico em sinfonia
perguntando «queres que regresse?»
e «sim» ou «não» seriam respostas boas
desde que me mantivesses por perto.

Mas é hora de chegar a termos com a dieta aérea
e acolher o vazio infinito de Deus
até ele forjar mar e terra.


(de Tártaro, douda correria, 2016)