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15.8.09


[Angra do Heroísmo, Agosto de 2009]


ALMEIDA GARRETT

A MEU TIO
D. ALEXANDRE DA SAGRADA FAMÍLIA


LOUSA da morte! as lagrimas não podem
______Amolgar-te a dureza:
Nem mais sobeja do que tristes lagrimas;
______Que o mais, tu o roubaste
A enferrujada chave do sepulchro,
______Mal deu a fatal volta,
Some-se, e affunda ao pego das edades...
______Nem ha tornar a vêl-a.
A mui pesada mão da eternidade
______Carrega o sêllo eterno
Nos ângulos da campa; e sobre a lagem
______Mui breve se condensam
Geladas aguas de lodoso olvido
______Acaso alguns momentos
Morredoura saudade emtôrno adeja,
______Que mal de escasso pranto
Amor ou gratidão lhe rociaram
______As curtas, débeis pennas:
Até que, pouco e pouco, ao longe a afasta
______A viração do tempo,
Ou do ingrato assettear de cru desprezo
______Acinte mal-ferida,
Cae d'aza morta ás ribas descuidadas
______Do paludoso Lethes.
Ah! que os olhos ainda se me arrasam,
______Ainda agradecidas
Em fio e fio as lagrimas deslisam!
______Tu, varão extremado,
Tu não morreste ainda no meu peito:
______Tu que em minha alma tenra
As primeiras sementes desparziste
______Das lettras, da virtude,
Que á sombra augusta de teu nobre exemplo
______Tenras desabrochando,
Cresceram quanto são. Infante ainda,
______O ânimo singelo
Me avigoraste da constância tua,
______Da nobre fortaleza
Com que, dignos de Roma, a Lysia deste
______De alto valor exemplos.
Oh! que o meu coração sobre essa lagem
______De angústia se espedaça!
Eu não te verei mais, rugosa face
______Do venerando velho,
Que da existencia na vereda ingreme
______As primeiras pisadas
Me endireitou no trilho da justiça!
______Orpham de tal amigo
Terei de ir só avante, onde é mais árdua,
______Mais difficil a estrada!
Sagrados manes, allumiae-me a vida
______C'um facho lá do Elysio:
Sêde-me guia na escabrosa senda
______Que temeroso enceto,
Porque vossas pegadas retrilhando
______Qual fostes seja, um homem.
Angra — Junho, 1821.
(de Lyrica de João Mínimo, 1829; in Lírica Completa, editora Arcádia, 1971)


26.3.04

[SONETOS À SEXTA-FEIRA]

TOMÁS ANTÓNIO GONZAGA


Marília, chega, que Dirceu t'espera
Sobre as cândidas asas da alegria:
Chega, querido bem, trazes o dia,
Em que a inveja ferina s'exaspera.

Apenas no horizonte amanhecera,
E Febo os louros raios repartia;
Já dentro desta aldeia se sabia,
Que a causa deste bem Marília era.

Tu já vês como salta o cordeirinho
Alegre atrás da mão no vede prado:
Ouves cantar o alado passarinho:

Pisas a inveja rindo-te do fado:
É mais puro que o leite o teu carinho,
É mais doce que o mel teu terno agrado.


FILINTO ELÍSIO

Estende o manto, estende, ó noite escura,
Enluta de horror feio o alegre prado;
Molda-o bem c'o pesar dum desgraçado
A quem nem feições lembram da ventura.

Nubla as estrelas, céu, que esta amargura
em que se agora ceva o meu cuidado,
gostará de ver tudo assim trajado
da nega cor da minha desventura.

Ronquem roucos trovões, rasguem-se os ares,
rebente o mar em vão n'ocos rochedos,
solte-se o céu em grossas lanças de água.

Consolar-me só podem já pesares;
quero nutrir-me de arriscados medos,
quero sacia de mágoa a minha mágoa!


BOCAGE

Olha, Marília, as flautas dos pastores,
Que bem que soam, como estão cadentes!
Olha o Tejo a sorrir-se! olha: não sentes
Os Zéfiros brincar por entre as flores?

Vê como ali, beijando-se, os Amores
Incitam nossos ósculos ardentes!
Ei-las de planta em planta as inocentes,
As vagas borboletas de mil cores!

Naquele arbusto o rouxinol suspira;
Ora nas folhas a abelhinha pára.
Ora nos ares, sussurrando gira.

Que alegre campo! Que manhã tão clara!
Mas ah!, tudo o que vês, se eu não te vira,
Mais tristeza que a noite me causara.


ALMEIDA GARRETT

PORFIA DE AMOR


Demtorno à arvorinha que murchara
Se afadiga o cultor esperançoso;
Envisca as varas caçador teimoso,
Armando ao passarinho que escapara;

Porfiado rompe com destra avara
As entranhas da terra o cobiçoso;
Sua co'a bomba o nauta pressuroso
Por estancar a nau que lhe arrombara.

Mas larga cada qual desesperado,
Quebra furioso o inútil instrumento
Se o contínuo trabalho vê baldado.

Só eu, com desenganos cento e cento,
Só eu, por Délia sempre desprezado,
Teimo cada vez mais no meu tormento

Angra - 1814