17.3.18


WANG WEI


Visita ao mosteiro da compreensão

O carreiro que passa pelo meio dos bambus começa nas terras baixas
No Pico de Lótus fica a morada da compreensão
Desde a janela o olhar abarca as terras de Ch’u
Para além da floresta reúnem-se nove rios.

Sentados de pernas cruzadas, sobre as ervas tenras
Por entre os pinheiros altos ecoam os salmos
Habitamos o vazio, longe dos dogmas da doutrina
A contemplar o mundo entendemos o não-nascimento.


Visita ao Mestre zen Tsao do mosteiro do Dragão Azul

Velho decrépito,
Vagarosamente encontro a sala da meditação
Desejo interroga-lo sobre o sentido do espírito original,
Já avisado contra o erro de encontrar o vazio.

Nos seus olhos celestes reflectem-se montanhas e rios
O seu corpo santo encarna o universo
Não me espanta se o calor tórrido se dissipa
Ele sabe levantar o vento sobre a terra.


(de Habitar o Vazio, versões de Manuel Silva-Terra, editora Licorne, 2018)

16.3.18

«MARTÍRIO DE SANTA ÚRSULA E DAS ONZE MIL VIRGENS» (c. 1522), do MESTRE DO RETÁBULO DE SANTA AUTA / «MARTÍRIO DE SANTA ÚRSULA» (1610), de MICHELANGELO MERISI DA CARAVAGGIO
em memória de Marielle Franco

Onze somos tantas como onze mil,
Nesta recusa de conceder
Nossos corpos e nossos sorrisos
E nossa esperança à sedução
De um príncipe poderoso. Uma só
Serei diante do mais brutal
Dos tiranos e aceitarei a seta

Que me está destinada, não
Sem que antes diga que não reconheço
O medo e continuarei negando
A sistemática prática da intimidação
Pela violência, mesmo depois
De o meu peito ser atingido; porque
Somos onze e onze mil e mais

Fortes do que a insanidade
Dos vossos olhos deixados na penumbra,
Virados para nós sem que vejam
Sequer quantas somos, onze e mais
Do que as onze mil nas ruas, passando,
Todas, cada uma dizendo com sua voz,
Cada uma mostrando a pele do rosto

E o cabelo solto. Continuaremos,
Uma só de nós, sorrindo enquanto
Nos considerarem estrangeiras, mulheres
Daqui, que a nós pertencemos e que
Esperamos, mais do que a justiça,
A ternura,
A presença de cada corpo

Na vida à qual pertence. E somos
Onze vezes as outras mil que foram
Daqui e aqui ignoradas, somos todas
As que numa voz podem ser ditas, contra
A morte da inocência por sistema. Uma
Só somos, juntas, não fugindo da seta
De um poder 
só, escondido, que tudo ignora.