Mostrar mensagens com a etiqueta José Terra. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta José Terra. Mostrar todas as mensagens

7.10.14

JOSÉ TERRA


Ah! Lanço o fumo do meu cigarro para o Universo...

Aqui há gente, caramba!
Gente com pescoço articulado para espreitar às vezes
um rumor de gente por de fora dos muros da cartuxa.
E há um poeta que se debruça à noite sobre o mar
antes de adormecer roído pelo caruncho da História.
E há paisagens inverosímeis que pousam por dentro do crânio.
Há degraus para o silêncio.
Um sábio estuda a nova fórmula da paciência.
Há os que acreditam e vão e os que vão pela porta estreita
no carrocel da morte e vêem coisas espantosas!


(de Canto Submerso, 1956)

17.1.14

JOSÉ TERRA


Seremos deuses, enfim, deuses humildes,
generosos, lúcidos e humanos.
Onde acaso tocar o nosso pé
nascerão fontes, pássaros e cânticos.
Dormiremos na fronte das montanhas
com as feras, as aves e as serpentes.
De manhã, na curva do horizonte
raiará nosso filho em vez do sol
e à porfia com rios e colinas
correremos às praias e ao oceano.
As nossas mãos conduzirão os ventos
de todos os quadrantes. E as estrelas
virão dormir no nosso coração.



(de Para o Poema da Criação, 1953)

23.11.07

JOSÉ TERRA

O vocábulo exacto, os capilares
por onde passe o vento e o sangue,
o líquido solar ou este súbito
desejo de extermínio.

Assim, quando vós, palavras hirtas,
estalardes, e meu canto for
fragmentos dispersos sob a cinza,
- Adeus! oh barcos onde nunca fui,
ameias onde resisti.

(de Canto Submerso, Portugália editora, 1956)

14.5.06

JOSÉ TERRA

As palavras ferem-se no vento,
retraem-se no íntimo da concha.

As palavras, em hélice, padecem
a tortura do indeciso tempo.

Saltam da alma como peixes. Ficam
asfixiantes na aridez da praia.

As palavras batem contra o espelho
e evitam o rosto reflectido.

A etimologia emigra no silêncio.
As palavras resignam. É o reino

da esfinge, frio, imperturbável.
As palavras espantam-se no vento

do claro sol, da limpidez da água.
Os archeiros d'El-Rei pisam a noite

e exigem-lhe à entrada o passaporte.
O frio gládio alveja o peito

e as puríssimas vestes poisam, lentas.
Revistam-lhes as tranças e o sorriso

e, mesmo assim, a sentinela embarga
o limiar da linha alfandegária.

As palavras vestem o cilício
da conturbada hora em que nasceram

palpitantes, vívidas, certeiras.
As palavras à esquina do silêncio,

rastejam ao luar, sob a fronteira.

(de Canto Submerso, Portugália editora, 1956)