16.11.13

ROGER WOLFE


DE CERTEZA QUE A ELIOT NÃO ACONTECIAM COISAS DESTAS

Fumando um cigarro.
Lendo um livro que comecei
há seis meses. Esperando
que alguém telefone.
A vida esta tarde torna-se-me
tão monótona, tão insuportável
como três gerúndios no início
de um poema.


(tradução minha / original de Hablando de pintura con un ciego, 1993)
LI BAI


A Orquídea Solitária

Uma orquídea solitária
desabrochou um dia num jardim vazio,
rodeada de ervas e tristeza.
Outrora a Primavera tépida,
agora o Outono frio.
A geada embranquece a terra,
murcham as folhas verdes,
extingue-se a flor.
Se não soprar a brisa
quem aspirará as résteas de perfume?


(in Poemas de Li Bai, tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu, Instituto Cultural de Macau, 1990)

12.11.13

JOÃO MIGUEL HENRIQUES


A ideia

e no momento exacto da compreensão
no preciso fulgor do entendimento
esse fugaz instante gasoso
entre a apreensão da língua
e a ideia consagrada
decidi fechar os olhos
apertar os punhos com força
retorcido sobre mim mesmo

era para ver apenas
se poderia suceder
a palavra ser só palavra
nada mais que linguagem
nada mais que um som despido
liberto de todo o sentido
matéria sem peso violento

a ausência da ideia
essa puta opressora


(de Também a memória é algum conhecimento, Lumme editor, 2009)

10.11.13

LEÓN FELIPE


TALVEZ ME CHAME JONAS

Eu não sou ninguém:
um homem com um grito de estopa na garganta
e uma gota de asfalto na retina.
Eu não sou ninguém. Deixem-me dormir!
Mas às vezes ouço um vento de tormenta que me grita:
«Levanta-te, vai a Nivine, cidade grande, e prega contra ela.»
Não faço caso, fujo pelo mar e deito-me a dormir no canto mais escuro da nave
até que o vento teimoso que me segue volta a gritar-me outra vez:
«Que fazes aí, dorminhoco? Levanta-te.»
— Eu não sou ninguém:
um cego que não sabe cantar. Deixem-me dormir!
E alguém, esse vento que procura um funil de trasfega, diz junto de mim, dando-me com o pé:
«Cá está; farei uma buzina com este oco e velho cone de metal;
meterei por ele a minha palavra e encherei de vinho novo a velha cuba do mundo. Levanta-te!»
— Eu não sou ninguém. Deixem-me dormir!
Mas um dia atiraram-me ao abismo,
as águas amargas rodearam-me até à alma,
a ulva emaranhou-se na minha cabeça,
cheguei até às raízes dos montes,
a terra pôs sobre mim as suas fechaduras para sempre...
(Para sempre?)
Quero dizer que estive no Inferno...
De lá trago agora a minha palavra.
E não canto a destruição:
apoio a minha lira sobre a crista mais alta deste símbolo...
Eu sou Jonas.



(tradução de Pedro da Silveira, in Mesa de Amigos, 2ª edição: Assírio & Alvim, 2002)