18.11.05

TAO YUANMING

BEBENDO VINHO
O Número Sete


Crisântemos no Outono, a mais bela cor.
Com orvalho ainda - os colho, e faço-os
Flutuar neste que afoga cuidados:
- Põe-me bem longe do mundo.
Encho, sozinho, um copo de vinho,
Se fica vazio, deita por ele o jarro.
Põe-se o sol, tudo o que é vivo sossega,
Aves de volta entram no bosque cantando.
Assobio na varanda do leste, alegremente:
Encontrei de novo o sentido à vida.

(tradução de Gil de Carvalho, in Uma Antologia da Poesia Chinesa, Assírio & Alvim, 1989)

17.11.05

[outros melros XXXI]

RUI COIAS

21.


Vejo com os olhos de deus.
Adormeço como ele sobre as paisagens.
Dispus cuidadosamente o sangue pelas areias,
ao dobrar o cabo dos anos, calei-me.
Ficarei de fora olhando avida em
horas mortas
como as crisálidas que abrem nos fios de água.
O tempo vai esmorecendo nas pobres vozes,
é uma terra parada a que nos deixa a descobrir.
E deus cala-se a meu lado, adormecido
como o melro docemente tranquilo.

(de A Função do Geógrafo, edições Quasi, 2000 - Biblioteca uma existência de papel)

16.11.05

Referência bibliográfica

O debate entre o Cardeal Martini e Umberto Eco a que o Tim se refere hoje, na Terra da Alegria, foi traduzido e publicado em português:
Em que crê quem não crê?: um diálogo sobre ética no final do milénio / Umberto Eco e Carlo Maria Martini, tradução de Valentim Marques e António Maia da Rocha - Coimbra: Gráfica de Coimbra, 2000
[da Alegria]

ANTÓNIO CÂNDIDO FRANCO

MANHÃ ETERNA


Terra, mas terra extensa, de longes baços
terra de além
que se alonga e se despedaça em ondas
mas ondas de verdura
nos horizontes.
Terra sem fim, a desfazer-se em fumos.
Além que se desfaz em odores
e em névoas.
Terra, mas terra forte e luminosa
capaz de germinar no seio astros.
Planície que se evapora na altura
enxuta em sol.
Terra de corredores internos
subterrâneos cheios de luz.
Ouro potável, castanho e solar.
Searas extensas como céus.
Grãos luminosos e ardentes, sementes
que se espalham pela terra como cometas.
Terra celeste, flor astral
onde a noite acorda pelo Abril do dia.
Terra de luz, cheia de ouro
que estremece como uma estrela.

(de Estrela Subterrânea, Limiar, 1993 - colecção Os Olhos e a Memória)

15.11.05

GIL DE CARVALHO

E por Novembro
A galinhola toma-se da luz,
Já pouca, e levanta na bruma
De um pinhal
Coberto

Das montanhas ao mar.

(de De Fevereiro a Fevereiro, Centelha, 1987 - colecção Poesia Nosso Tempo)

14.11.05

Novos Livros II

Pela mão do Vitor Vicente, saem, por estes dias, dois novos livros de José Emílio-Nelson.
Transcrevo o que David Soares diz deste autor: "Costuma dizer-se que a poesia de José Emílio-Nelson é feita de escatologismos quando se tenta ofuscar uma fina sensibilidade que a atravessa: escatológica será, seguramente, mas, igualmente, inventiva e alerta na sua crítica social e acusação interior. O que me fica após a leitura é a certeza de que José Emílio-Nelson é um poeta do espaço: não só do espaço exterior, mas um autor que, como Bataille, conversa connosco, preferencialmente, das coordenadas do espaço intímo - e de forma arguta como um arquitecto que nos procura convencer das suas escolhas."
Novos Livros I

"Rui Coias é alguém que não tem pressa. Saber esperar revela sagesa. (...) Rui Coias é uma voz singular entre os melhores da sua geração." Isto lembra Eduardo Pitta, para informar do aparecimento do segundo livro (o primeiro foi "A Função do Geógrafo", de 2000) de um dos autores recentes que mais aprecio

13.11.05

MARCO AURÉLIO

De resto, tudo o que é belo de qualquer maneira é belo em si mesmo; é perfeito em si e não como parte integrante de si mesmo. O objecto que se louva não se torna por isso nem melhor nem pior. E o mesmo digo daqueles objectos que qualificamos comummente de belos, por exemplo, os objectos materiais e os produtos de indústria. O que é belo essencialmente de nada mais precisa; de nada mais que a lei, que a verdade, que a benevolência, que o pudor. Qual destas virtudes é bela pelo facto de a louvarem ou se avilta pelo facto de a criticarem? Acaso perde o preço a esmeralda se a não enaltece um louvor? E o oiro, o marfim, a púrpura, uma lira, uma espada, uma flor, uma árvore?

(parág.º 20 do Livro IV dos Pensamentos, tradução de João Maia, editorial Verbo, 1971)