9.7.03

4 sonetos do verão

I

Onde paira o silêncio
Adormeço a loucura do sopro,
Feliz da ronda graciosa
Pelos sítios obscuros deste tempo.

Sorrio em frente ao rochedo
Sinto alegre o tal sopro na cara
Olho sempre para depois do mar
Ouvindo os ecos das ondas.

Há mais terra a perder
Que o imenso ali à frente
Toco agora os arbustos
Que pela escarpa cheiram o sal.

O azul quente cobre-me a pele.

Voo satisfeito pelo dia seguinte.

II

Um silêncio respeitado pelas cores
Calcula o limite do incêndio
Telefona às vezes a horas tristes
E acaba sempre por ir sem paz

Raramente voltam pelos medos.
Então o tempo não respeita as marcas,
Desce em direcção ao tédio isento
E alimenta dias inteiros.

Depois vem a calma e o horizonte
Apenas vislumbrados, é certo,
Mas com uma intuição generosa.

Entretanto, deitam-se ao sol sobre a relva,
Recolhem folhas das árvores altas
E deixam-se crescer no silêncio.

III

Indiscutíveis as tristezas dos pássaros
Quando alheios se alimentam sem esforço
Recolhem com o bico o que há em abundância,
Voam por todo o lado sem restrições

Os habituais bancos de jardim soluçam
Medindo tardes inteiras à espera
Que haja esforço para buscar alimento

Assim os loucos com a sua loucura,
Embora estes consigam a alegria,
Suavíssimo dom cíclico e ritual
Impresso na metade obscura do ar

A solução é deixar os loucos voar
Oferecer aos pássaros as horas marcadas
Desses longos dias terrenos e mágicos

IV

Há uma ternura imensa que abafa a raiva,
Que deixa subir a generosidade
Até ao ponto de alcançar a utopia

Falta pouco para o verão encontrar a chuva.
Nos terraços deslizam as noites suaves
Entregues às praias cheias de calor

Só depois de deixarmos o sol enorme
Recordamos a presença que nos liberta:
A gratidão exclama-se com força;
Há gestos e vozes e gritos e danças.

Há uma estranha alegria nesta chuva
Os pés nus pisam este chão molhado
E absorvem um vapor tranquilo e puro
Na grande festa caída do céu.

Rui Almeida

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