18.11.03

G. K. CHESTERTON

No número 999 do vasto catálogo da biblioteca dos livros que eu nunca escrevi (todos eles mais brilhantes e persuasivos do que aqueles que escrevi) está a história de um bem sucedido cidadão que parecia esconder um segredo negro da sua vida. E acabou por ser descoberto por detectives que ainda brincava com bonecas ou com soldados de chumbo ou qualquer outro insolente jogo de infância. Posso dizer com toda a modéstia que eu sou aquele homem em tudo, excepto na solidez da reputação e na prosperidade comercial. Isto era talvez ainda mais verdadeiro aplicado ao meu pai; mas eu, pelo menos, nunca deixei de brincar e sempre desejei que houvesse mais tempo para isso. Quem me dera que não nos tivéssemos dispersado em coisas frívolas, tais como leituras e literaturas, no tempo que poderíamos ter dado aos trabalhos sérios, sólidos e construtivos, como por exemplo recortar figuras em cartão e nelas colar coloridas lantejoulas. Ao dizer isto, eu chego à terceira razão que me leva a tomar o teatro de bonecos por um livro aberto, e a respeito da qual haverá por certo muito malentendido, devido às repetições e aos estafados sentimentos que, de certa maneira, vieram aderir a eles. É uma daquelas coisas que foram sempre mal compreendidas pela simples razão que foram demasiado explicadas.

(da Autobiografia, trad. e notas de Luís de Sousa Costa, Livraria Morais editora, 1960 - Círculo do Humanismo Cristão)

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