28.11.03

RUY CINATTI

PROPÓSITO INADIÁVEL


O que magoa é ver o pobre
timorense esquálido beber
água do pântano,
onde se escoam lixos,
comer poeira
e saudar-me, quando
rodo na estrada,
deus ocioso.

Tantos e tantos outros,
timorenses esquálidos,
olham-me como se dever fosse
abrir covas,
plantar repasto
de milho, arroz e carne,
encher copos vazios,
de bebedeira e sonho,
que não magoe,
mortifique o ócio,
reanime o tempo.

Fugir é melhor que prometer
esperança em melhores dias.

Fugir é atrasar
o discurso limite
travado pelas rodas
da dúvida maníaca.

Eu não prometo nada.
Invoco os montes
feridos pela luz,
o mar que me circunda
em Díli terra-tédio e de má gente.

Afino-me pelo timbre
limpo das almas
dos timorenses esquálidos
que me soletram vivo.

E sigo,
limpo na alma e no rosto,
sujeito à condição que me redime.
Os timorenses só terão razão
quando me matarem.

(de Uma Sequência Timorense, 1970)


REALISMO POLÍTICO

Se os Timorenses quiserem ser Indonésios,
passem para o outro lado.

Se os Timorenses quiserem ser Portugueses,
têm-me a seu lado.

Se os Timorenses quiserem ser independentes,
construam-se.

30/6/74

(de Timor-Amor, 1974 - na versão original a última palavra deste poema era "sumam-se". Porém, esta é a versão definitiva, incluída na antologia editada pouco depois da morte de Cinatti pela Presença e organizada por Joaquim Manuel Magalhães, que dele recebeu o encargo da substituição)

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