29.1.04



JOÃO SOUSA MONTEIRO

Em Noronha da Costa, porém, a estudada indefinição das formas não é obtida por desfocagem, mas por difusão. Noronha da Costa não perturba a visão clara dos objectos recorrendo a um «filtro» que entreponha entre o observador e o objecto representado. Ele torna deliberadamente difusa a própria percepção do representado para poder, à causa da sua destruição, construir aquilo em que inteiramente se concentra: a imagem. Monet pinta os efeitos de luz sobre os objectos. Está fixado num ponto único: a representação visual do tempo, traduzida na linguagem da experiência sensível através da mutação contínua dos efeitos de luz sobre eles. Noronha da Costa, pelo contrário, não pinta o objecto, nem nenhuma sua particularidade representável: pinta a outra vertente, ainda largamente inexplorada, da história da pintura, aquela que se ocupa da força abstracta da imagem. Apesar destas diferenças essenciais quer nos propósitos, quer nos meios, quase toda a pintura de Noronha da Costa continuamente trai - e continuamente esconde - uma profunda cumplicidade com Claude Monet. Em quase todas as suas telas se pressente, com uma clareza por vezes tocante, uma amizade silenciosa e um respeito profundo por esse genial pintor do Tempo.

(excerto de um texto incluído em Noronha da Costa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1982 - série catálogos)

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