25.4.06

JOSÉ GOMES FERREIRA

XXVIII

(Comício.)

Tudo começa na boca
- ao princípio era o verbo -
combinação de palavras com o sangue.

Discursos, discursos, discursos...

Palavras com fogo ritual.

Palavras com mãos que empurram os homens,
abrem abismos,
estrangulam,
deitam chumbo derretido nas chagas,
magoam de existir.

Dêem-e palavras. Tomem palavras...
Palavras não faltam, já tão velhas que parecem novas,
recém-nascidas com as mesmas raízes
ignoradas.

É esse o milagre:
nascer todos os dias
nas bocas esquecidas
dos fios de prumo.

Palavras
- silêncio que agride,
os passos do fumo.

XXIX
(Grito «NÃO!» à revolução de flores de retórica.)

Revolução das flores?

Sim.
Mas não apenas para disfarçarmos com bandeiras de cravos
o pólen das Áfricas dos nossos lutos.

Queremos flores
que já tragam no ventre
o sabor dos frutos.

(de Maio-Abril / 1968-1975, in Poeta Militante, Viagem do Século Vinte em mim - III, 1978)

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