27.2.08

[de como um leitor acha não se haver desencontrado com a memória deste poeta #9]

JOAQUIM MANUEL MAGALHÃES

«Motivos alheios à sua vontade»

Foram estas cinco, as últimas palavras que escreveu. Nelas interrompeu Ruy Belo o currículo que repetia a pretensão de concorrer a um posto da Faculdade de Letras de Lisboa que vira anunciado num jornal. Mas essas ocasionais palavras atingidas pela despedida absoluta, figuravam o inquietante brazão daquilo em que se haviam tornado os seus últimos anos. Um homem obstinadamente retirado das ribaltas, submetido a uma profissão inadequada, preso ao reduto de um corpo demasiado pesado para a mobilidade da sua mente.
A morte de um poeta torna-se, muitas vezes, um alto momento exemplar. Ela evidencia todas as taras da organização nacional e põe a nu os critérios culturais de um povo. Tudo aquilo que não aconteceu a Ruy Belo mostra os mecanismos da merda em que nos fazem chafurdar.

(início de um artigo sobre Ruy Belo, in Os dois crepúsculos – sobre poesia portuguesa actual e outras crónicas, A Regra do Jogo, 1981)

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