8.8.08

EDUARDO PRADO COELHO

RUY BELO – A CAMINHO DA ESCOLA
(excerto)

(…)
Se existe uma equivalência entre o poema que se escreve e o caminhar na vida («um só poema é toda a vida de um homem» [da explicação que acompanha a 2ª edição de Aquele Grande Rio Eufrates]), é natural que os poemas de Ruy Belo se alonguem, que sejam demorados exercícios no sentido de o poeta se afeiçoar à prática da morte, instrumentos dilatórios para suspender o ponto final.
Isto explica talvez que a morte, sendo, como é, o decisivo virar de uma esquina, tenha em Ruy Belo uma existência graduada. Há uma dosagem da morte cada dia e é o trabalho da escrita / deambulação que regula essa dosagem. Por conseguinte, «ó homem que tens à espera de ti / virada a esquina da rua e do tempo o teu próprio rosto / não tenhas pena de quem morre / de árvore para árvore / e é diferente no princípio e no fim da rua» [Metamorfose, in Aquele Grande Rio Eufrates].
Na poesia de Ruy Belo, morre-se muito, morre-se pouco, assim assim, um bocadinho. Mas, se isto faz que a morte se insinue no dia, permite também que o dia contenha a morte. Lemos assim: «ele vai só ele não tem ninguém / onde morrer um pouco toda a morte que o espera» [Homem para Deus, in Aquele Grande Rio Eufrates]; «nunca até hoje eu morrera tanto em alguém» [Vita mutator, in Aquele Grande Rio Eufrates]; «Terás no fim para nós uma morte tão funda / que nos separe de todo o mal que fizemos / e assim nos aproxime do bem que desejámos?» [Narração, in Aquele Grande Rio Eufrates]; «Eu não dispenso a morte eu quero morrer muito» [Mudando de assunto, in Homem de Palavra(s)].

Mas, no termo da estrada, para além da estrada, para além do horizonte, essa morte imensa é tão grande como o mar ou a infância.
(…)

(in A Mecânica dos Fluidos – literatura, cinema, teoria, Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1984 – temas portugueses)

Sem comentários: