2.5.09

[para uma antologia de bicicletas - 15]

JOÃO CAMILO

DE BICICLETA


Como se o teu olhar me perseguisse,
eu preocupava-me em executar da maneira mais perfeita
todos os gestos. Via-me de fora como tu me verias
se fosses atrás de mim quando pedalava na bicicleta,
sentada no banco confortável de um automóvel.
O rio à direita da estrada tinha certa beleza
e as árvores, como sempre, faziam do asfalto preto por onde eu ia
um caminho em que apetece passear ao fim da tarde.
Enquanto me olhavas ias conversando para o lado
com os teus companheiros de viagem. O cabelo
loiro sobre os ombros iluminava o teu rosto à janela
e aqueles que te viam passar ficavam a pensar em ti.
eu lá ia, tranquilo e inquieto a pedalar,
convencido de que ao ver-me sem esperar assim ali
descobrias mais duas ou três razões para me amares.
Não olhava para trás para que tu não te escondesses
e em cada pedalada deixava a atenção
com que poderias falar-me e eu escutar-te.



MEMÓRIA DE RUY BELO

Madrid está deserta do teu corpo, só os fantasmas
do desejo se digladiam ainda ao sol das praças.
Era tão curta a distância entre a eternidade
e a luz nas esplanadas dos cafés, na pedra dos edifícios?
O amor, ave desencontrada das estações, acena ainda
nos olhos das raparigas de braços nus. E tu,
morto mais discreto da pátria, adormeceste
sem ter beijado a mulher e os filhos, longe
para sempre das romarias e do mar.

(de A mais nobre das artes, editorial Caminho, 1991)



(…) quando jogava futebol na equipa da Faculdade de Letras de Lisboa nunca joguei a guarda-redes, em geral jogava a defesa direito, às vezes ao lado do Ruy Belo ou do Arnaldo Saraiva, do Moreira, do Madeira, do Carlos Correia, etc.; e gostava muito de arrancar por aí adiante a caminho da baliza adversária. Uma vez, depois de vários passes com o Pissarra, um puto cheio de talento, fui rasteirado na área adversária e tivemos direito a uma grande penalidade. Imagino que o Pissarra a deve ter transformado em golo. Velhos tempos. (…)

(daqui)

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