13.9.09

ALBERTO PIMENTA


jardim zoológico


dum lado da jaula
os que vêem
do outro
os que são vistos

e vice-versa



No dia 31 de Julho de 1977, Alberto Pimenta, cidadão nacional n.º 0727697, esteve exposto entre as 16 e as 18 horas numa jaula do Palácio dos Chimpanzés do Jardim Zoológico de Lisboa.
Em Abril de 1981, o Rádio-teatro de Estocolmo emitiu uma adaptação radiofónica do acto, da autoria de Margareta Ahlberg. Na sequência disso, Per-Eric Gustavsson repetiu o acto no Zoo de Estocolmo, e o actor espanhol Alberto Vilar encenou-o em vários Jardins Zoológicos.





APÊNDICE

MATERIAIS PARA A ELABORAÇÃO DUM DE PAUS E OUTRO DE COPAS

VOX POPULI

– Ó homem, não te vás, anda pràqui ver.
– Ver o quê? É algum strip-tease?
– Não, parece que vão cantar o fado.
– É para fazer algum exercício.
– Olha, ele aí vem, há espectáculo. Eu vou ver isto.
– Aí vem ele, meu Deus, vamos embora.
– Olha o homem, olha! Que vem a ser isto?
– Se calhar não tem casa. É a primeira vez que vejo isto.
– Aquilo ali é um homem, estás a ver?
– Espera aí que já vai dar. – Dar o quê?
– Ó pá, anda cá ver isto! Aqui o macaco é um homem.
– Ó pá, isto é um festival do caraças. Vamos embora, que isto é para nos tramar.
– Já me estão a lixar, o gajo está ali a fazer a caricatura da malta.
– Tem cara de parvo, deve ser anormal.
– Tem um tipo esquisito.
– Se calhar é tarado sexual. – Não, ele é racional. – Mas não fala.
– Vamos mas é embora daqui.
– Ele é português? – Deve ser estrangeiro.
– Ele que ali está, é porque alguma fez.
– Ai que impressão isto faz, na quarta-feira ainda não estava cá nada.
– Ainda há bocado cá passei e quem estava era o gorila.
– Não percebo o que ele quer! Que é que quer dizer «homo sapiens»?
– Então, é uma espécie de macaco. É um animal como os outros.
– Pois, ele parece um homem em tudo... está vestido.
– Então havia de estar nu? – Sei lá!
– É um reclame qualquer, é só um reclame.
– É um homem, mas deve ser uma espécie rara.
– Isto não havia antes. São estes tempos, anda tudo maluco.
– Eu tenho a impressão que é um homem normal.
– Não, normal não pode ser, senão não estava ali. É maluco, anda à solta.
– Ou tarado sexual.
– Ora, isto é tudo preparado.
– Ele que está ali tem que ter um significado.
– Então, é uma ideia nova.
– Quem vai reagir mal são os católicos: isto quer dizer que o homem descende do macaco.
– O raio do homem é muito habilitado a estas coisas, mas não há-de ser mais nada.
– Que horror isto!
– O aspecto dele é que me confunde. Se tivesse ar andrajoso, ainda estava bem. Mas assim...
– Já há portugueses enjaulados? Já não servem as cadeias?
– Ele não é português.
– Isto deve ter um mistério qualquer.
– Devem-lhe ter pago, ou então gosta. – Está ali, está a ganhar bem.
– Na minha, ele fez alguma coisa.
– Se ele fala, por que é que não diz por que é que está ali?
– Então, a gente diverte-se a olhar para ele, e ele diverte-se a olhar para a gente.
– Como é que é permitido isto é que a gente não percebe.
– É uma vergonha para o país.
– Ele é estrangeiro.
– Por que é que não fax isto na terra dele?
– Ele está a olhar para nós com aquele olhar fixo...
– Os macacos às vezes também é assim.
– Está ali um senhor dentro da jaula. O que é, paizinho?
– Não sei, filho, não sei. Não gosto de ver isto, meu Deus, vamos embora.
– Será parvo? Aquilo é lugar para um homem?
– Se calhar é para ver a reacção do público.
– Não, ele não sabe fazer nada, tem aquele ar imóvel.
– Fez alguma coisa má, e prenderam-no ali.
– A vergonha é para os outros, é para nós. – Sim, que é que a gente está aqui parado a fazer? Homens não faltam, não é preciso vir cá vê-lo.
– Pois é, mas os que estão presos, a gente não vê.
– Se calhar é isso que ele quer dizer.
– Isto é muito raro num jardim zoológico.
– É preciso ser chanfrado.
– É preciso é ter uma coragem do caraças.
– Então, não somos também animais?
– É o homem-macaco. Caçaram-no por lá na selva.
– Eu já ouvi falar. – É, é conhecido. – É o homem sapiens, é o homem da selva.
– E ele faz ali as necessidades?
– Isso acho que não. Ainda não se viu.
– Olha, filho, olha um mono igual a ti.
– Está o macaco, está o homem.
– É gente parva. Que espectáculo!
– Olha, uma coisa que eu não esperava. Já viste?
– Isto é novo aqui.
– Ai que rico espectáculo, um homem na jaula. E de borla. Ai que macacão!
– Eu até gosto de ver isto. Deviam era estar lá mais como ele.
– Que escândalo, meu Deus! Se o pusessem noutro sítio, ao pé das aves, ainda vá, mas aqui ao pé dos macacos!
– Então a polícia já não serve para estas coisas? Que é que ele está a fazer lá dentro?
– Ele não tem medo de estar ali? – Por que é que havia de ter?
– Vocês vão andando, eu fico; quero ver o que isto dá até ao fim.
– É o homem da nossa época.
– Não se entende!
– Aquilo é qualquer coisa.
– É o mundo em que vivemos.
– Faz impressão.
etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc

(de IV de Ouros, Fenda edições, 1992 – foto de Jacques Minassian)

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