28.10.09

FILINTO ELÍSIO

9.


sabe o poeta que a hora é plácida
pedestal caindo
estrela cadente
estrelas do mar
algas da sorte
(retornando à ida)
timbre de voz
que o poeta pressente...

(de Do lado de cá da rosa, Instituto Caboverdeano do Livro e do Disco, 1995)


7.

Perdoa-me mas não me ocorre a Atlântida de Platão
As ilhas têm uma só raiz: o amor!
O resto é ínsula língua do mar coxas d’areia

Macaronésia só de mamas arquipélago de gemidos
Barlaventos de braços sotaventos de pernas
A Vénus sai das águas e o Caliban da terra é fome

São as ilhas o reverso do Paraíso sem molduras
Mangas cocos tâmaras musgos seixos espumas
Serpentes sem pecado sem veneno sem Bíblia!

(de O Inferno do Riso, Instituto da Biblioteca Nacional, 2001)


3

As frutas, uma a uma, darão suas entranhas à boca
O roçar leve de língua ao gosto de todas as coisas,
As frutas saberão trazer do antanho nossas memórias
Em paraísos de proibir nas árvores todo o proibido.

Uma a uma, não nos poderemos delas jamais apartar,
Sílabas poderosas no ulterior dos verbos acamados
Nos leitos de horizontes surgidos do útero da baía
E nas janelas abertas para o império dos sentidos.

De quantas frutas somos benditos no ventre das vontades,
Quantas lágrimas, suores e sémenes, vagidos de nada,
A esventrar a espessura de tudo ser mais prima matéria.

Ajoelhados ante o silêncio, soletraremos ao infinito
O que desta idade temos ainda de eterna saudade
E entoaremos, de sussurros tão-somente, o hino às frutas.

(de Das Frutas Serenadas, Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 2007)

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