4.6.11

ROBERT BRINGHURST


O HOMEM MELHOR


Bastante simples. Ao som dele, a cantar-lhes
os nomes, pedras, árvores, mulheres
de meia idade e quase a restante criação
dispararam direito à testa dele e colidiram.

Desde então tem sido
costume a crianças
de ouvido musical
extinguir os olhos.

Marujos e a gente do monte
enterraram o que dele puderam encontrar.
Adolescentes, suicidas
em potência e os feridos

experimentaram os nomes.
Ilesos em cada caso, conforme aconteceu —
como todos os outros — nas próprias
pronúncias deles.

Mais tarde, também, os intérpretes
andaram pelas cidades com versões próprias
e justificações.
Disseram eles, por exemplo, que a canção

fora introduzida por uma certa mulher.
Alguns contaram que a mulher de cabeça ruiva
que o amava se fora embora
e já estava morta quando dera com ela.

Outros insistiram em que ele a matara. Contou ainda
um terceiro uma grande história, coisa fortuita,
segundo a qual ela havia ido em romaria
pelo vale e por lá encontrara, de modo inesperado

mas muito simplesmente, um homem melhor,
com gosto pela conversa
e por xadrez, e de rosto
mais brando e com nome estrangeiro.

Disseram eles que a morte nada tem a ver
com luz moldada ou íngremes
gumes do ar. Disseram eles que ele cantara
a vasta terra aberta e nela caminhara,

fosse para a enterrar ou para a recolher,
e que quase conseguira. Disseram que quando ele escorregara
se encontrava então a subir, e era sua obrigação saber
que para baixo não devia olhar.

Ou disseram que morrera como um mosquito,
da sua própria luminescência,
ou que fora o escuro ou o claro que ele nomeara
e que se tinham ajuntado e o haviam morto.

Lá pelos montes histórias ainda mais singelas contam.
Dizem que a voz dele resplandecia
como uma pedra azul. Alguns dizem
que ele bebia o ar quando sedento

e respirava água. Terão apenas sido
as suas mãos, dizem alguns,
que cederam, esmagadas
quando as palavras acima delas se fecharam;

e durante dias e dias podia ver-se-lhe
a voz a flutuar, perto do sol,
e a água do poço sabia a palavras suas,
vento fora de estação ouvido na semente vigorosa.

Desde então toda a luz
se curvara no silêncio dele.

Desde então tem sido
costume a crianças
de ouvido musical
extinguir os olhos.


(de O Sopro da Flauta d'Osso, in A Beleza das Armas, tradução de Júlio Henriques, edições Antígona, 1994)

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