2.10.11

CESÁRIO VERDE


[Carta a Bettencourt Rodrigues]

Linda-a-Pastora, 16 de Novembro de 1879

Meu amigo - Tem chovido bastante e há dias que temos as comunicações cortadas com Lisboa, como numa ilha por um mar bravo. De modo que talvez tu me escrevesses alguma carta, que esteja lá em cima e a que não respondo agora por conseguinte.
Por aqui e por todo o país, naturalmente, continua tudo na mesma, isto é, tudo está parado. Dizer mal disto parece uma coisa pedante do Visconde Reinaldo, mas não é
[...]
Eu não faço nada, falto de estímulos, aborrecido contra esta gente da cidade a que tenho raiva como a um marreco. Ao menos, pelo campo ainda há coisas primitivas, sinceras, de uma boa paz regular; e embora a existência não apresente alterações nenhumas, o caminhar da estação, a mudança quase insensível no aspecto da natureza todo o ano, é admirável, sugestivo. Chega o Inverno; e hoje, que é Domingo, sabes em que me entretenho? Em partir pinhões com uma pedra à porta de casa. Compram-se aos salamins no padeiro do lugar, um brutamontes de mangas arregaçadas e braços peludos, e cheios de pasta de farinha, que nos diz: - Viva! - com mau modo. No enfastiamento domingueiro, o que se pode fazer senão isto? No Verão, comíamos tremoços que nos despertavam uma grande sede, apetitosos, escorregadiços; depois foi-se o Outono nos arraiais pelos lugarejos próximos. Agora os rapazes deitam o pião nos largozitos, e quando chove muito, e a cheia alaga as baixas e os caminhos, apupam-se monte para monte com buzinas de chavelho. Lembra a Idade Média, Rolando, Roncesvalles, não sei o quê.
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(in Obra Poética e Epistolografia, edição organizada por Ângela Marques, Lello editores, 1999)

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