5.2.12


FERNANDO LANHAS


auto-retrato, 1973

JOSÉ VIALE MOUTINHO


HOMENAGEM AO PINTOR FERNANDO LANHAS
  
1

dele é o grande livro dos astros
as linhas da idade pertencem-lhe
assim como todos os museus da terra
e o crânio do homem de cromagnon

vejamos as horas que restam no saber
do tempo nestes relógios de sol vivo
como evoluiu o linho o trigo o milho
quanto vale um minuto isolado por aí

como se passa da cor à ausência dela
no espelho das cinzas nos tecidos
o fogo acabado de descobrir os olhos
postos numa boneca de louça antiga

esquece-se das chaves do automóvel
as casas suspensas nos estiradores
uma porta que não existe ainda oca
tudo tão relativo como a ampulheta


2

servem-nos os melhores vinhos o lápis
que traduz o chapéu de palha da madeira
essa estrada por entre os arvoredos
deus se existe vai no porta-bagagens

adiante no tablier ninguém escuta as
perdas e os danos o inquieto barro
que se permite no largo de s. joão novo
num palácio de nasoni entre muralhas

de que me lembro e aonde devo guardar
este barco dos anos trinta este folheto
de monstros de há trezentos anos a lua
naquele tempo não imaginava a sua morte

quantas vezes voltamos ao lugar onde
nem a sibila adivinharia as sombras
com os nossos números de ordem astros
de um universo perdido nas palavras


(desenho e poema in Retrato de Braços Cruzados, editorial Caminho, 1989)

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