31.10.13

JOSÉ MATTOSO

A humanidade atravessou muitas crises. A dos séculos XIV e XV é uma daquelas em que, pelo menos na perspetiva católica, melhor se pode entender o lado transcendente dos acontecimentos. Os dias em que vivemos, nesta segunda década do segundo milénio, são também de crise. Desconhecemos as suas dimensões e as suas consequências, mas parece ser das mais graves que têm atingido a humanidade, porque é universal. As crises nacionais ou internacionais que abalaram o mundo nos séculos passados acabaram por ser superadas. Algumas fizeram muitas vítimas, mas também enriqueceram experiências de vida e ensinaram a encontrar soluções realistas, eficazes e abrangentes. Aquela que aqui tentei mostrar nas suas grandes linhas está praticamente esquecida, mas merece ser recordada. Não trouxe só sofrimento e miséria. Trouxe também ousadia, solidariedade, melhor conhecimento de Deus, fé, esperança e caridade. Dela nasceram alguns santos conhecidos e venerados, como Santa Beatriz, e muitos mais de quem ninguém fala, mas Deus conhece. Dela brotaram muitas experiências de vida radical e, por isso, movimentos renovadores da vida religiosa, da espiritualidade e da piedade dos fiéis. Nela se enraizaram instituições de solidariedade social como aquela, tão portuguesa, das Misericórdias.
Hoje ninguém sabe o que pode acontecer nos próximos anos. Trazem, sem dúvida, violência e sofrimento. Mas um dos pilares do Cristianismo é a virtude da esperança. Um dos pilares de qualquer sociedade, cristã ou não cristã, é a resistência à morte. Como homens temos de lutar pela vida. Como cristãos temos de cultivar e esperança, sem perder a lucidez nem a responsabilidade. Jesus Cristo não veio para nos propor a resignação, mas para nos ensinar a lutar. O que Jesus promete aos seus discípulos e a nós mesmos não é uma vitória fácil, mas a salvação. É Ele quem nos convida a descobrir na História a manifestação da transcendência divina. Nada nos pode separar do amor de Cristo. Permitam-me, pois, que repita aqui as palavras do Papa João Paulo II no primeiro discurso do seu pontificado: «Não tenhais medo!». Talvez tenhamos de viver dias difíceis. Ou mesmo muito difíceis. Mas quem se identifica com Jesus Cristo não pode ter medo de nada.»

(excerto de «O Tempo de Santa Beatriz da Silva», in Santa Beatriz da Silva - Uma estrela para novos rumos, Princípia, 2013)

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