30.10.17

GIORGIO AGAMBEN


Temos medo sempre e apenas de uma coisa: da verdade. Ou mais precisamente, da representação que nos fazemos dela. De facto, o medo não é simplesmente uma falta de coragem face a uma verdade que nos representamos de forma mais ou menos consciente: há um outro medo que precede este, e que está implicitamente presente no próprio facto de nós termos fabricado uma imagem da verdade, e, de uma maneira ou de outra, lhe termos sabido o nome e termos experimentado o pressentimento. É este medo arcaico contido em toda a representação que tem no enigma a sua expressão e o seu antídoto.
Isto não significa que a verdade seja qualquer coisa de irrepresentável que nós nos apressamos a assimilar às nossas representações. Pelo contrário, a verdade começa apenas no instante a seguir ao momento em que reconhecemos a verdade ou a falsidade de uma representação (na representação, ela só pode ter uma de duas formas: “Afinal era mesmo assim!”, ou então “Estava enganado!”). Por isso, é importante que a representação pare um instante antes da verdade; por isso, só é verdadeira a representação que representa também a distância que a separa da verdade.


(excerto do capítulo «Ideia do enigma», in Ideia da Prosa, tradução, prefácio e notas de João Barrento, Livros Cotovia, 1999)

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