18.12.03

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANA

Poesia: o nada que é tudo


(...)
Quando lhe disserem que a poesia não tem mais lugar neste mundo dos diabos (porque no dos deuses sempre tem), não acredite. Quando lhe disserem que no planeta Bush continuam erguendo muros que separem homens e culturas, observe que a poesia ainda pode congregar vozes e esperanças. (...)

Minha cabeça tenta entender essa coisa intrigante. Se os editores dizem que poesia não vende, que poesia não rende, que ninguém compra poesia, que poesia não se negoceia nas bolsas de valores, então, Senhores do Conselho de Sentença, dizei-me vós, porque cresce cada vez mais o número de poetas sobre a terra? Se a poesia não serve para nada, e se "lutar com palavras é a luta mais vã", porque milhões de poetas recomeçam essa luta "mal rompe a manhã"?
Na verdade, na verdade vos digo: há mais poetas hoje que ontem, e amanhã haverá mais poetas que hoje. E o caso da poesia é o mesmo da arte em geral. A poesia, como a arte, não morre nunca, porque mais que um género literário, é uma "função da mente humana". Ela dá voz a algo que nenhuma outra arte ou forma de expressão pode expressar por ela. E algumas, não poucas, mas milhões e milhões de pessoas têm necessidade da poesia como uma segunda "língua". Por isto cantam, por isto escrevem, por isto, pegam seu dinheirinho editam seus livros ou saem mundo afora falando seus poemas. E ao contrário da maioria das outras artes, que se transformaram predominantemente em negócio, a poesia vive uma situação ambígua: porque a palavra do poeta não se converteu em commodity e produto descartável que segue a moda e o mercado, ela guarda uma autenticidade e uma independência que a singularizam.
(...)

(excertos de artigo publicado no Jornal de Letras de 10 de Dezembro de 2003)

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