5.12.03

YEHUDA AMICHAI

é um poeta e novelista. Grande parte da sua obra foi traduzida para outros idiomas, assim como a sua novela Não desta época, Não deste lugar. Em 1982, recebeu o Prêmio Israel de Poesia.
[Como já foi dito, há mais informações no Quartzo]


NOS MONTES DE JERUSALÉM

Aqui onde a ruína anseia reerguer-se,
Seu desejo é agregado ao nosso.
Mesmo os espinhos, cansados de ferir,
Querem consolar.
E a lápide, arrancada de uma sepultura profanada,
Foi colocada na nova muralha, com seu nome e suas datas.
E alegra-se, porque não será esquecida.
E as crianças, as únicas que poderiam tudo mudar,
Brincam entre rochas e ruínas.
Elas nada querem modificar.

O cancelamento de uma noite de amor no Neguev
Faz nascer uma flor nos montes de Jerusalém.
Coisas se esvaziam e se enchem,
E nem sempre você está entre as que se enchem.
E o tomilho, nem sempre cura,
Mas rasga uma profunda ferida no esquecimento,
Recordação de uma sede antiga.

Todos aqui se ocupam da tarefa de lembrar.
A ruína se lembra, se lembra o jardim,
O poço recorda suas águas e o bosque, que o plantaram,
Lembra-se, na laje de mármore, um holocausto distante
Ou mesmo, somente o nome de um doador morto,
Para que seja lembrado um pouco mais que os outros.

Mas nomes não são importantes nestes montes.
Como no cinema, quando da lista de participantes na tela
Antes do filme, ela ainda não é interessante; e no fim do filme -
Já não o é mais. Acendem-se as luzes, as letras se dissolvem
E desce a ondulada cortina, as portas são abertas e do lado de fora é noite.

Para esses montes somente o verão e o inverno são importantes,
Somente o seco e o molhado: e até mesmo as pessoas
São meros receptáculos da água dispersa em volta,
Como poços e cisternas e fontes.


NAS LARGAS ESCADAS - A POSTOS À ESPERA DA FELICIDADE

Nas largas escadas que descem para o Muro das Lamentações
Uma linda mulher me apareceu: "Você não se lembra de mim,
Eu sou Shoshana, em hebraico. Sou outra em outras línguas.
É tudo futilidade".
Assim disse ela na hora do crepúsculo, de pé entre o destruído
E o em construção, entre a luz e a escuridão.
Pássaros negros e pássaros brancos trocavam lugares
Ao compasso intenso da respiração.
A luz das câmeras dos turistas iluminou também a minha memória:
O que faz você aqui entre o prometido e o esquecido,
Entre o esperado e o imaginário?
O que faz você aqui à espera da felicidade,
Com seu lindo rosto de garota-propaganda do turismo de Deus,
E sua alma dilacerada e rasgada como a minha?

Ela me respondeu: Minha alma está dilacerada e rasgada como a sua
E é isso que a faz bonita,
Como uma fina renda.


O MOINHO EM YEMIN MOSHE

Este moinho jamais moeu farinha.
Ele moeu ar santo e os pássaros
da saudade de Bialik, ele moeu
palavras e tempo triturado, ele moeu
chuva e até mesmo bombas,
mas ele jamais moeu farinha.

Agora ele nos descobriu,
E mói a nossa vida, dia a dia,
fazendo de nós farinha da paz,
fazendo de nós o pão da paz
para as gerações futuras.


UM PASTOR ÁRABE PROCURA UM CABRITO NO MONTE SION

Um pastor árabe procura um cabrito no Monte Sion,
E no monte em frente eu procuro por meu filho pequeno.
Um pastor árabe e um pai judeu
Ambos no seu temporário fracasso.
Nossas vozes se encontram sobre
A piscina do Sultão, no vale entre nós.
Nenhum de nós quer que o filho e o cabrito
Entrem no terrível processo
Da música da Páscoa "Um Cabrito".*

Depois achámo-los entre os arbustos,
E nossas vozes retornaram a nós
E choraram e riram por dentro.

As buscas de um cabrito ou de um filho
Foram sempre
Começo de uma nova religião nestes montes.

_______________________________________

* Uma cantiga infantil cantada no encerramento da Páscoa dos judeus, com o propósito de ilustração moral, mostrando como os opressores dos judeus, através da História, foram destruídos pela divina retribuição por terem perseguido o "um cabrito" - o Povo Judeu.

(Apresentação do Autor, poemas e nota publicados em ariel - Revista de Artes e Letras de Israel, 1983 - edição especial para língua portuguesa, recolhendo textos da edição normal - tradução de Clara Rosenberg)

Sem comentários: