1.2.06

[com a força da Alegria]

NATÉRCIA FREIRE

PRIMAVERA DE JANEIRO


A Primavera anda longe,
mas eu a sinto nos dedos
da noite que se aproxima:
murmúrio de olivais
e a relva verde-fresca;
sol retardado, a pôr-se, embrulhado em mistério;
rumor de agua a correr, na Terra gigantesca.

E eu tão pequena, tão solitária, tão imensa,
no silêncio acordado desta casa da estrada!
Eu a perder-me nas adivinhações do Mundo;
a esconder-me entre os troncos tristes das oliveiras;
a debruçar-me no espelho das correntes
que irão banhar, talvez, os continentes
do meu exílio, em pátrias prisioneiras...

Ninguém me fale de beleza na Primavera!
É no Inverno que ela sempre me chega,
a erguer nos meus olhos a visão de bosques azuis...

Eu podia ser cega,
eu podia não ter tido nunca mocidade,
eu podia ignorar o cântico dos pássaros
nas madrugadas felizes,
que, ao avistar no espaço a Primavera,
quando todos os sonhos dormem,
e todas as mulheres são virgens,
e todos os homens são imaculados,
quando os doentes têm medo de morrer,
quando o ranger dos velhos carros,
nos caminhos da quinta, me ressuscita a infância,
a saudade da Primavera que há-de vir
e que, depois da chegada, nunca será aquela que sonhei,
cola-me na vidraça esta fronte sem estrelas,
- tão pequena, tão só, como podia eu tê-las?
Ergue-me o peito vasto,
desnuda-me sem luta...

Eu não escuto o silêncio,
e já ninguém me escuta.
Ao fundo, a Primavera
- que atónita ela vinha! -,
acenou-me de manso
na tardinha...

Mas fugiu da mulher
com olhos de adivinha...

(de Anel de Sete Pedras, 1952)

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