16.4.10

RUY BELO


NO AEROPORTO DE BARAJAS


Não são os aviões que aqui levantam voo
aqui não é metálica a imaginação
Daqui levantam voo estes americanos
que perto matam longe o povo heróico vietnamita
que aqui pagam em dólares a dor dos sul-americanos
que fingem vida aqui a morte do nordeste brasileiro
As barrigas aqui assinaladas pelo menos por meio cento de estrelas
ocultam esses índios esses pretos essa gente sub-americana
que garante a barriga destes sobre-americanos
Aqui branqueja a branda casa branca
perfurada pelo mais narigudo dos narizes
que em toda a parte surge onde não é chamado
Aqui se representa a primeira das damas deste mundo
essa mãe virtuosa e responsável
que limita a natalidade sua sem deixar
de controlar também a das mulheres de todo o mundo
Pat aliás acaba de ganhar a eleição anual das
mulheres que segundo a revista good housekeeping
maior admiração de nós merecem
pela coragem e pelo desejo
de ajudarem outros seres humanos e
se não ajuda os pretos nem os índios nem aqueles
que neste mundo nesta vasta américa do norte
que é a maior parte deste mundo
é porque se duvida seriamente de que sejam seres humanos
Aqui grassa o mau gosto aqui a gente
que fica por aqui em todos quantos partem
aqui a gente goza a ver estes patuscos
que passam de montera na cabeça
aqui a gente vive a morte que aí vai aqui
vive nestas barrigas quem não vive
Aqui os servos nós eles senhores
aqui ficamos nós aqui levantam voo não
os aviões mas estas certas aves de arribação


(de Transporte no Tempo, 1973)

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