5.3.11

J. M. G. LE CLÉZIO


[…]
Beleza viva, beleza que existe por si mesma, sem ter de ser reconhecida, exibida, vendida; chega, natural, semelhante à linguagem, da profundidade maior do tempo, sem que seja preciso mudar-lhe um só fragmento. Depois, do outro lado do tempo vai, no centro do próprio porvir, inalterável beleza que é a única liberdade humana.
Basta de arte, basta de expressões individuais! Mas sim: estar unidos, e em conjunto saber ler.
As proezas da ciência, as proezas da linguagem, as proezas dos conquistadores: tudo sem dúvida falsas vitórias, visto não saberem senão subjugar os que as realizam. Os heróis não triunfam, são vítimas das suas próprias palavras.
Mas os que não são heróis, os índios: vivem, assim, cada qual em seu lado, não inventam nada. Não querem conquistar o mundo, não pretendem persuadir as multidões. Não querem dominar com as suas palavras, com as suas vozes. Instintivamente, o homem índio elimina tudo o que o separe, tudo o que o pudesse tornar superior. Não lhe importa a análise, a história, a missão. Encontra-se de imediato no interior do mundo, no centro da vida. Não precisa seguramente de livros, nem de quadros – todo o homem é um livro, é um quadro. A perfeição, a lógica, as ideias novas, isso que é? O índio leva na pele, à sua volta, nos signos quotidianos, a expressão da beleza, a liberdade.
É isso o que dizem os índios, e não queremos ouvi-los: TODA A GENTE É INTELIGENTE.

(excerto de Índio Branco, tradução de Júlio Henriques, Fenda edições, 1989 – Títulos do Tesouro)

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