30.7.14

MIGUEL MARTINS


Projecto de vida: Construir uma jangada. Descer um rio calmoso interminável. Alimentar-me das margens: figos de piteira, bagas, codornizes assadas no espeto ou sobre pedras quentes. Ser sempre Primavera - possuir apenas uns calções ligeiros, uma faca. Ser senhor de mim ou nem sequer. Ter o rio por espelho e desabituar-me disso. Esquecer os conluios do carvão e do aço. Assobiar melodias sem história. Foder com a água; depois, orar às estrelas. Saber que é na finitude da vida que reside a sua eternidade. Saber distinguir os sabores de oitenta águas. Saber embebedar-me com ares cegos e brisas e conversar com uma índia ou um cão incorpóreos. Morrer só, devagar, e decompor-me completamente entre chuvas e ramos de salgueiro.


(de Cotão, &etc, 2014)

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