13.10.08

[(há 40 anos) Bandeira e Pavia morreram no mesmo dia II]

JORGE DE SENA

MORTE DE MANUEL BANDEIRA


Só hoje, depois de muitas aulas de um curso
sobre a poesia dele, folheando poemas seus,
tive, subitamente, consciência da sua morte,
há mais de um ano, longe, apenas notícia.
Não é essa coisa eventual de notar-se, consabido pasmo
(e a frustração do que jamais vai repetir-se)
que não mais torno a vê-lo e à sua humanidade,
à sua gentileza firme de menino egoísta,
e à surdez com que em verdade não ouvia ninguém
senão a vida e a morte. No fim de contas,
há centenares de poetas que nunca conheci, que admiro,
e que nem sequer estou certo de valer a pena
havê-los conhecido: seriam suportáveis,
humanamente suportáveis, o Dante ou o Camões?
Não: o que de súbito encontro é um vazio
maior. Morreu. Não dirá mais nada,
nada sentirá que nos revele. Os poetas
morrem como toda a gente. A poesia deles
fica, e morrerá mais tarde, como tudo
morre. Mas que um que está connosco
morra inda que velho, e não seja mais
quem escreverá, se ainda escrever: se cale –
- e a gente saiba pelas notícias como se calou –
É a morte, a pavorosa, a estúpida, a grosseira.
O fim de todos os milagres, que ele bendisse.
O horror de descobrir-se no que fica
quanto morreu quem fez o que ficou.
22/11/1969

(de Visão Perpétua, edições 70, 1989)

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