17.10.08

[Será que o poema poderá suster a sua verde adolescência?]


ANTÓNIO RAMOS ROSA

Os versos podem ser pedras brancas
ou cabeleiras
um líquido murmúrio vagamente solar
a cintilação de uns olhos na brisa ou na folhagem
as vibrantes antenas de um insecto
o perpassar de uma sombra sobre um rio
um ávido crescimento
um alvoroço intenso

Às vezes todas as imagens parecem aspirar
à pura tranquilidade de um deserto
ou de um reino azul desconhecido
Outras vezes são escuramente velozes
ou ofuscantes como relâmpagos num abismo
Quando sobem em espiral dentro de um corpo
tocam um céu de folhas e de um azul cristalino
Outros consagram o pão dos homens com a luz
ou oferecem o seu sangue nas suas pontes de sombra
Alguns são tão suaves como a brisa de um olhar
ou tão transparentes como um corpo de água
Outros abrem as portas às bocas sequiosas
e são o desejo de chegar às fontes vivas
com mãos de mercúrio e incandescentes cabelos
Mas todos têm a chama de um amor branco do espaço



Sabemos que não há resposta
e que a não resposta é um não há
Qual é o rumo então dos nossos passos?
Estamos talvez num círculo que é o círculo do tempo
Mas a nossa aspiração é encontrar o espaço
ou formar o espaço
em que a ausência e o desejo coincidam
numa palavra que seja
a palavra mais contigua ao silêncio
como um tapete antigo mas recente
com a frescura nova para habitar o dia



O que há de mais nu
é o fértil murmúrio do ócio e do olvido
Talvez não seja mais do que a vibração do nada
ou o frémito do silêncio como um pólen branco

Há uma equivalência entre a página e a espádua côncava
do dia Dir-se-ia que uma mulher lavou
um solo vermelho e que à fronte subiu
a frescura inicial dessa passagem de água
e que o silêncio novo lavou as veias

É então que reparamos numa plácida jarra
com duas flores brancas e sentimos o odor denso
de um nome impronunciado que inunda toda a casa
com vigor lento de uma larga pulsação
que tem a brancura espessa do pulmão de um deus



O que será o silêncio? Como pode o poema
partir do que ignoramos e a que damos um nome
sem saber a sua natureza e qual a sua plenitude?
Não será ele apenas um pressentimento um frémito
sem existência própria um irredutível quase
que nunca chegasse à revelação de um termo ou ao cimo de si mesmo?
Nós sentimo-lo como se a luz vagarosamente repousasse
numa onda de suavidade e o barco do efémero
revelasse a plenitude do eterno a essência viva
do nosso ser sob o voluptuoso véu de um sono imaculado
Sentimos a nudez da brancura e nela o princípio o centro e o alvo
do nosso desejo de coincidir com a indizível formosura
que numa onda silenciosa ascende e sem se revelar culmina
numa corola transparente ou num jardim de nuvens
de que só apercebemos o aroma branco e subtil
que não embriaga mas nos inebria como se vogássemos numa lua
que fosse unicamente aérea e de pura identidade
Será que o poema poderá suster a sua verde adolescência
e receber este sopro diáfano para que ele próprio seja um astro de silêncio?

(in Bumerangue N.º 1)

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