18.10.08

RUY DUARTE DE CARVALHO

Monumental estrutura erguida do assento, a desdobrar-se em carne enquanto uma das mãos penetra o céu e a outra esmaga, com acostumados dedos, a folhagem madura de um ramo ao seu alcance, nervuras colossais do calcanhar ao dorso, a dar contorno às coxas, petrificadas massas de cimento armado, postas ali num gesto de euforia. Se o zoom é permitido avante então, acometemos estes hemisférios até não divisar senão a linha que divide as partes, descer por ela abaixo e penetrar no cheiro, afastar, com as mãos, os juncos e a chipipa, a custo caminhar no lodaçal do mangue e ouvir o borbulhar da vida ali contida. Oh corpo de cimento aparelhado em curvas, utilitária mama feita para aleitar, eis a distância, eis a distância que há para além dos livros, tu mama fina só relevo e cor, leve acidente em torso de rapaz, fêmea distante a olhar-me fria e grave, ciente do meu jogo e dos meus trunfos. O mão molhada, aqui, na minha frente, que vai ao peito para untá-lo negro, o brilho dos adornos prolongado ao ventre e o cuidado que há, eis um requinte extremo, no ajustar do pano às virilhas espessas enquanto o corpo recupera o assento e de novo se empenha a cativar o fogo.

(de Hábito da Terra, 1988 – in Lavra, Poesia reunida 1970-2000, edições Cotovia, 2005)

Sem comentários: