AUGUSTO OLIVEIRA MENDES
«grandeza de homem: falhar o encontro e não perder o humor. grandeza de pássaro: estudar a migração das tartarugas. grandeza de poeta: serenar, quando no cockpit da morte o telemóvel nos falha.» - António Cabrita
Nasceu no Tramagal (Abrantes), em 1959. Publicou quatro livros, sendo que o quinto foi já póstumo. Dirigiu os 6 números da revista de literatura ibérica Canal.
Xúlio L. Valcárcel fala de um “rigoroso caminho emprendido na procura dunha voz auténtica, com tono e modulación proprios.” E José-Alberto Marques diz-nos que “o Augusto era um andarilho de estradas largas e horizontes longos. Não admitia o rectângulo como figura geométrica. Isso era apenas do tamanho dum pé.”
O facto é que a Biblioteca Nacional não o conhece de lado nenhum e algumas livrarias só por acaso.
Morreu em Dezembro de 2000.
Identificar a escrita majestosa e subtil, apontar obra, é falar de heroicidade num mundo poderoso e elitista. Arriscar falhar elegendo falsos grandes autores enquanto inevitáveis manchas negras salpicam imagens intocáveis, não é do agrado de quem faz da literatura um modo de vida com sobejos interesses de vaidade. Pois, diga-se que urge essa tarefa, complemento da tímida criação quase sempre nascida no receio de se perder em silêncios paladinos, quem usufrui de meios e poder revela-se incapaz de sacudir a poeira das mostras literárias promissoras. Dar a cara, colocar as mão no fogo pelo que crêem agora. Enfim, apenas evitar que tardem os escritores. Mas, o medo, a cobardia, a chacota egoísta e silenciosa dos literatos ajudam-nos a ser mais pobres e privam-nos da verdade.
[texto integral do Editorial do nº 6 de Canal - Verão de 1999]
Pela centésima pedra caída entre bicicletas novas
Nós éramos
Entre os cantos mais longos, um outro inverno
já crescido, os cantos centésimos de raposas
espreitando o olhar húmido já como argolas prisioneiras
Não vamos ficar por aqui
Vamo-nos aperceber da virtude que dança
com os cantos centésimos de raposas que
espreitam o olhar húmido da aldeia do declive
Vamo-nos aperceber da virtude que tarda
(de raposas que, publicações O Camelo e o Cachimbo, 1996)
O ânimo sediado, forte, no poema que não este
escrito talvez ontem num barco na Mancha
Poderia falar das águas que batiam, ferozes
ou das faces inquietas dos passageiros
Porém preferi escutar os trovões no mar
e quedar-me mudo sob a chuva gélida
Deitei borda fora néctares de rimas velhas
para me alimentar do verde bolor, insonso
E fugi quando a velha carcaça se afundou
perante o olhar cretino de um deus devasso
sentado e bêbedo nas nuvens sujas
(de Campesinos, publicações O Camelo e o Cachimbo, 1996)
Soam dedos, benignos E inteiros
Soam dedos, benignos E inteiros
No soturno eco dos sentidos Teus, mulher
Agora que respiras E amas essa náusea navegante
Como quem colhe pequenos frutos
de uma árvore fingida
E se acerca de angústias
crescidas ao acaso
numa terra sem nome, dó, desejo
(in Canal nº 1, Março de 1998)
Poema do amor entre rosas e outras
(Retrato de um olhar)
Ouvi uma vos de encantar
na menina crescida na areia de outros mares
para abençoar o beijo e um silêncio feliz
entre penas leves e flores perdidas
No chão, elevei o tom da tua memória
E sorri os teus momentos de ardor
O testemunho do olhar
A carícia apelou pelo teu nome
enquanto as mãos te falavam ao ouvido
sobre cores e perfumes de lugares bondosos
e as rosas do céu caíam, docemente
sobre os corpos estendidos no orvalho
de uma manhã que nascia
(de Emily e os Blues, Luz Lunar editora, 1999)
JANIS JOPLIN, I REMEMBER YOU
A voz, a doce voz cavada
reeleita na penumbra de um carrocel dourado
E nos lindos laranjais da terra vermelha
ei-la ali à espera de sinal
E de transe desesperado e sábio
(de Poemas dos Aranhiços nos Olivais do Sul, Black Sun editores, 2001)
Como se fala por aí
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