24.8.05

"não há nos versos teorias da salvação", diz ela.
E bem.
HILDA HILST

Quisera dar nome, muitos, a isso de mim
Chagoso, triste, informe. Uns resíduos de tarde
Alguma aves, e asas buscando tua cara de fuligem.
De áspide.
Quisera dar o nome de Roxura, porque a ânsia
Tem parecimento com esse desmesurado de mim
Que te procura. Mas também não é isso
Este meu neblinar contínuo que te busca.
Ando em grandes vaguezas, açoitando os ares
Relinchando sombras, carreando o nada.
Os que me vêem me gritam: com tem passado
A aldeã de sua alteza? E há chacotas e risos.
Mas vem vindo de ti um entre muro de sons e de cicios
Um labiar de sabores, um sem nome de passos
Como se águas pequenas desaguassem
Num pomar de abios. Como se eu mesma
Flutuasse, cativa, ofélica, sobre a tua Grande Face

(de Sobre a Tua Grande Face, 1986)

23.8.05

CARLITO AZEVEDO

Leopoldo María Panero


I

Gritar é mais do que posso,
Leopoldo María Panero,
pois minha voz é destroço

do intelecto, sem ser festa
da loucura. Mas invejo
quem ao verso o uivo empresta.

II

Como invejo quem à vida,
Leopoldo María Panero,
acrescenta a luz contida

sob a pele, abrindo as veias
dessa fogueira de sangue
que libertada incendeia

e ilumina, na loucura
de vísceras explodidas,
da alma negra a noite escura.

(de Sob a noite física, 1996 - edição portuguesa: Edições Cotovia, 2001)