GOTTFRIED BENN
A TI TUDO TENS DE DAR
Dá no teu contentamento,
no morrer, trocados antes
o sonho e o pressentimento,
esta hora, o seu alento
tão de umbelas sussurrantes,
a foice, as marcas do Verão
dos campos orientadas,
bilha e taça de água em tão
doce fadiga inclinadas.
Tens de dar-te tudo, os
deuses nada te vão dar,
dá-te esse leve pairar
por entre rosas e luz,
ao que em céus já azulou
vai-te a seu encanto dando,
o último som passou
escuta-o silenciando.
Fosses o Só tão-somente,
fosse a cerração criada
por ti, ah vai a silente
e pura estrada apagada,
é já a hora, leve desce
a hora do fuso na luz,
em sua roca a parca a tece
e o fuso a cantar conduz.
Fosses a grande ruptura,
o choro em ti se prendeu,
lágrimas são água dura
que sobre pedras correu,
tudo ficou consumado,
nem choro nem ira crus,
tudo em vagas deslumbrado
e teu em rosas e luz.
Hora doce. Envelhecer!
Já oferecido o brasão:
touro entre tocheiros, ver
tochas viradas ao chão,
só de praias, só de um mar
laranja, dos Lidos, fundo
esfingídeo enxamear
guia as sombras a este mundo.
Tudo te deste, assim queiras
dar-te a última alegria,
toma o bosque de oliveiras
e as colunas todavia,
já os membros desfalecem,
teu rosto final traduz
que mensageiros lhe descem
todos em rosas e luz.
(versão de Vasco Graça Moura, in 50 Poemas, Relógio d'Água, 1998)
A TI TUDO TENS DE DAR
Dá no teu contentamento,
no morrer, trocados antes
o sonho e o pressentimento,
esta hora, o seu alento
tão de umbelas sussurrantes,
a foice, as marcas do Verão
dos campos orientadas,
bilha e taça de água em tão
doce fadiga inclinadas.
Tens de dar-te tudo, os
deuses nada te vão dar,
dá-te esse leve pairar
por entre rosas e luz,
ao que em céus já azulou
vai-te a seu encanto dando,
o último som passou
escuta-o silenciando.
Fosses o Só tão-somente,
fosse a cerração criada
por ti, ah vai a silente
e pura estrada apagada,
é já a hora, leve desce
a hora do fuso na luz,
em sua roca a parca a tece
e o fuso a cantar conduz.
Fosses a grande ruptura,
o choro em ti se prendeu,
lágrimas são água dura
que sobre pedras correu,
tudo ficou consumado,
nem choro nem ira crus,
tudo em vagas deslumbrado
e teu em rosas e luz.
Hora doce. Envelhecer!
Já oferecido o brasão:
touro entre tocheiros, ver
tochas viradas ao chão,
só de praias, só de um mar
laranja, dos Lidos, fundo
esfingídeo enxamear
guia as sombras a este mundo.
Tudo te deste, assim queiras
dar-te a última alegria,
toma o bosque de oliveiras
e as colunas todavia,
já os membros desfalecem,
teu rosto final traduz
que mensageiros lhe descem
todos em rosas e luz.
(versão de Vasco Graça Moura, in 50 Poemas, Relógio d'Água, 1998)