(...) De resto o estilo não é e talvez nunca fosse mais do que a tendência constante para a perfeição pessoal, a exclusiva maneira, rude ou elegante, de exprimir que satisfaça o escritor...; e quem nada tem que dizer também não tem estilo algum... Por isso eu nunca pregaria revoluções artísticas - tão conforme estou com todos os géneros, ainda os mais contraditórios ou heterodoxos, quando me sensibilizem, como se diz no já ferrugento chavão -, além de me parecer que pregar «estética» será pregar desesperadamente em deserto inóspito...; mas o assunto é encantador para íntimas palestras! E muito à puridade lhe direi quanto se me afigura condenável que as regras ponham estorvo ou apreço de qualquer talento... Cuido até que um talento pouco literário pode ser mais proveitoso à riqueza da língua do que o mais ponderoso e versado humanista. Não faltam exemplos históricos de línguas empobrecidas por excesso de claridade e ressecadas à inclemência dos preceitos infrangíveis, que necessitaram de muita «corrupção» para desferir na íntegra a gama dos meios-tons, onde a cor se conjuga ao sentimento, e, despegada a ideia da rigorosa propriedade dos termos, fermentaram em frases iriadas que, alargando a vida, sugerem sensações inefáveis... Em geral a «corrupção» não vai além dos alisados rebocos, e severas escaiolas mercê das quais os espíritos gregários sequiosos da disciplina grata à pânria ousaram mascarar as formas libérrimas, ou tentaram empecer os movimentos do organismo activíssimo que uma língua viva constitui...
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(excerto de uma das cartas que servem de introdução a Agosto Azul, 1904)