MIGUEL TAMEN
As páginas 70-71 do número 9 de 'O Occidente' são o lugar em
que quem lesse o poema de Cesário Verde o leria, uma rua por assim dizer de
cuja demolição sobreviveu uma única casa. Note-se que não existe indicação de
qualquer relevo especial dado ao poema por editores ou contemporâneos. E
conceda-se que muitos de nós, pelo simples facto de o ler agora, juraríamos
que, caso fôssemos vivos em 1878, não deixaríamos de ter notado o seu fulgor,
especialmente dada a baça vizinhança em que ele ocorre. É no entanto vão dar de
nós próprios as melhores referências. Tal como não pudemos neste caso ter razão
antes de tempo, apelar a qualidades que confirmam aquilo que já sabemos é tão
frívolo como alegar que conhecíamos antecipadamente um número premiado da
lotaria cujo bilhete inexplicavelmente não comprámos. E além disso o que os
apelos ao fulgor apodíctico do poema de Cesário Verde nos oculta é precisamente
a vizinhança em que o encontrámos. Tal vizinhança é porém reduzida pela
historiografia à função teleológica de preparação, pela crítica estética à
função decorativa de contraste, e por ambas à função de ilustração. Quanto mais
admiramos o poema embalados por estas alternativas, portanto, menos percebemos
como são confusas as explicações normalmente oferecidas para tal admiração.