MARIA TERESA DUARTE MARTINHO
2008-2009
Ondula bandeira esvoaça cortina
Abre-se janela liberta-se ar
Presa palmeira a cena sonha:
De vez fogem aves
Largam pouso esquecem horas
Só seu voo perseguem
Outro avião as nuvens ilude
Alta torre também voa,
O céu risca
Em desapego espectacular
(in Telhados de Vidro, N.º 13 - Novembro 2009)
11.2.10
FERNANDO GRADE
BECO DE CÂNDIDOS SARILHOS
Cidade de becos, pedra preta, lontras.
O que as pessoas cospem ou pensam
ou dizem é sempre pouco.
Ver julgar diverte-me.
Mas são apenas fardos de palha, palavras
à procura de uma bala.
E um dia as balas serão belas.
O pai traz o guarda-chuva, a boina e as bandeiras.
A prima traz o medo e a fruta táctil.
A má escondeu as bonecas no meio do restolho.
Mãe beijada.
Mãe vassoura.
Oh mãe de perfumados frutos castos.
Há-de ser fogosa a obra ida sogra.
Não acredito senão em carroças sonolentas
e a água que criei era de moscas.
Cuspi no dia manso por atalhos de água.
Ao fundo — no feno —, os vícios continuam:
o pai traz o porco cálido e as canastras;
a mãe tem um avental rigoroso como as serpentes e os beijos.
Não acredito que numa noite de muito vento
os remorsos não desçam das árvores
e peguem fogo ao teu caminho.
Não era de veludo o lobo que criaste,
17-3-1984
(de Alma Burra, edições Mic, 1987
BECO DE CÂNDIDOS SARILHOS
Cidade de becos, pedra preta, lontras.
O que as pessoas cospem ou pensam
ou dizem é sempre pouco.
Ver julgar diverte-me.
Mas são apenas fardos de palha, palavras
à procura de uma bala.
E um dia as balas serão belas.
O pai traz o guarda-chuva, a boina e as bandeiras.
A prima traz o medo e a fruta táctil.
A má escondeu as bonecas no meio do restolho.
Mãe beijada.
Mãe vassoura.
Oh mãe de perfumados frutos castos.
Há-de ser fogosa a obra ida sogra.
Não acredito senão em carroças sonolentas
e a água que criei era de moscas.
Cuspi no dia manso por atalhos de água.
Ao fundo — no feno —, os vícios continuam:
o pai traz o porco cálido e as canastras;
a mãe tem um avental rigoroso como as serpentes e os beijos.
Não acredito que numa noite de muito vento
os remorsos não desçam das árvores
e peguem fogo ao teu caminho.
Não era de veludo o lobo que criaste,
17-3-1984
(de Alma Burra, edições Mic, 1987
10.2.10
ANTÓNIO OSÓRIO
OS LOUCOS
Há vários tipos de louco.
O hitleriano, que barafusta.
O solícito, que dirige o trânsito.
O maníaco fala-só.
O idiota que se baba,
explicado pelo psiquiatra gago.
O legatário de outros,
o que nos governa.
O depressivo que salva
o mundo. Aqueles que o destroem.
E há sempre um
(o mais intratável) que não desiste
e escreve versos.
Não gosto destes loucos.
(Torturados pela escuridão, pela morte?)
Gosto desta velha senhora
que ri, manso, pela rua, de felicidade.
(de A Ignorância da Morte, 1978)
OS LOUCOS
Há vários tipos de louco.
O hitleriano, que barafusta.
O solícito, que dirige o trânsito.
O maníaco fala-só.
O idiota que se baba,
explicado pelo psiquiatra gago.
O legatário de outros,
o que nos governa.
O depressivo que salva
o mundo. Aqueles que o destroem.
E há sempre um
(o mais intratável) que não desiste
e escreve versos.
Não gosto destes loucos.
(Torturados pela escuridão, pela morte?)
Gosto desta velha senhora
que ri, manso, pela rua, de felicidade.
(de A Ignorância da Morte, 1978)
9.2.10
MARIA ALBERTA MENÉRES
Inquieto sono o teu, sobre a copa das árvores.
A cada voz de pássaro ocultado
estremecem teus lábios virtuais!
Uma pequena saudade vem de ti
e do próximo rumor da madrugada
onde vais esquecendo teu primeiro sentido.
Já subindo da terra te oferecem as flores,
em cada gesto igual que as distingue,
o alimento para a tua fome.
E entrarás no primeiro segredo
e teus lábios virtuais repetirão as flores
abençoadas na carne e pelo tempo!
Já nos teus olhos correm as cascatas do mundo,
as belas cascatas indomáveis
onde a pequena pedra tem um corpo alegre!
Mas tu não ris, que o riso partiria
mais solto do que o vento, mais leve que a neblina,
e viria tocar breve o teu sono.
Mas tu não ris: e fácil, redimido,
entrarás no primeiro segredo
que para nós se oculta sob a copa das árvores.
(de Cântico de Barro, 1954)
Inquieto sono o teu, sobre a copa das árvores.
A cada voz de pássaro ocultado
estremecem teus lábios virtuais!
Uma pequena saudade vem de ti
e do próximo rumor da madrugada
onde vais esquecendo teu primeiro sentido.
Já subindo da terra te oferecem as flores,
em cada gesto igual que as distingue,
o alimento para a tua fome.
E entrarás no primeiro segredo
e teus lábios virtuais repetirão as flores
abençoadas na carne e pelo tempo!
Já nos teus olhos correm as cascatas do mundo,
as belas cascatas indomáveis
onde a pequena pedra tem um corpo alegre!
Mas tu não ris, que o riso partiria
mais solto do que o vento, mais leve que a neblina,
e viria tocar breve o teu sono.
Mas tu não ris: e fácil, redimido,
entrarás no primeiro segredo
que para nós se oculta sob a copa das árvores.
(de Cântico de Barro, 1954)
LUIS CERNUDA
ONDE HABITE O ESQUECIMENTO
Onde habite o esquecimento,
Nos vastos jardins sem madrugada;
Onde eu seja somente
Lembrança de uma pedra sepultada entre urtigas
Sobre a qual o vento foge à sua insónia.
Onde o meu nome deixe
O corpo que ele aponta entre os braços dos séculos,
Onde o desejo não exista.
Nessa grande região onde o mar, anjo terrível,
Não esconda como espada
Sua asa em meu peito,
Sorrindo cheio de graça etérea enquanto cresce a dor.
Além onde termine este anseio que exige um dono à sua imagem,
Submetendo a sua vida a outra vida,
Sem mais horizonte que outros olhos frente a frente.
Onde dores e alegrias não sejam mais que nomes,
Céu e terra nativos em redor de uma lembrança;
Onde ao fim fique livre sem eu mesmo o saber,
Dissolvido em névoa, ausência,
Ausência leve como carne de uma criança.
Além, além, longe;
Onde habite o esquecimento.
(tradução de José Bento, in Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea, Assírio & Alvim, 1985 - documenta poetica)
ONDE HABITE O ESQUECIMENTO
Onde habite o esquecimento,
Nos vastos jardins sem madrugada;
Onde eu seja somente
Lembrança de uma pedra sepultada entre urtigas
Sobre a qual o vento foge à sua insónia.
Onde o meu nome deixe
O corpo que ele aponta entre os braços dos séculos,
Onde o desejo não exista.
Nessa grande região onde o mar, anjo terrível,
Não esconda como espada
Sua asa em meu peito,
Sorrindo cheio de graça etérea enquanto cresce a dor.
Além onde termine este anseio que exige um dono à sua imagem,
Submetendo a sua vida a outra vida,
Sem mais horizonte que outros olhos frente a frente.
Onde dores e alegrias não sejam mais que nomes,
Céu e terra nativos em redor de uma lembrança;
Onde ao fim fique livre sem eu mesmo o saber,
Dissolvido em névoa, ausência,
Ausência leve como carne de uma criança.
Além, além, longe;
Onde habite o esquecimento.
(tradução de José Bento, in Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea, Assírio & Alvim, 1985 - documenta poetica)
8.2.10
HENRI MICHAUX
— E é sempre —
E é sempre o lanho feito com a lança
o enxame de vespas que ataca os olhos
a lepra
e é sempre o flanco aberto
e é sempre o enterrado vivo
e é sempre o tabernáculo partido
o braço fraco como um cílio contra o rio
e é sempre a noite que volta
o espaço vazio que espiona
e é sempre a velha correia
e é sempre o enterrado vivo
e é sempre o balcão desmoronado.
O nervo trilhado no fundo do coração que recorda
o pássaro-baobá a chicotear o cérebro
a torrente onde o ser se precipita
e é sempre o encontro no meio da tempestade
e é sempre a orla do eclipse
e é sempre atrás do renque das células
o horizonte recuando, recuando...
(mudado para português por Herberto Helder, in Doze Nós Numa Corda, Assírio & Alvim, 1997)
— E é sempre —
E é sempre o lanho feito com a lança
o enxame de vespas que ataca os olhos
a lepra
e é sempre o flanco aberto
e é sempre o enterrado vivo
e é sempre o tabernáculo partido
o braço fraco como um cílio contra o rio
e é sempre a noite que volta
o espaço vazio que espiona
e é sempre a velha correia
e é sempre o enterrado vivo
e é sempre o balcão desmoronado.
O nervo trilhado no fundo do coração que recorda
o pássaro-baobá a chicotear o cérebro
a torrente onde o ser se precipita
e é sempre o encontro no meio da tempestade
e é sempre a orla do eclipse
e é sempre atrás do renque das células
o horizonte recuando, recuando...
(mudado para português por Herberto Helder, in Doze Nós Numa Corda, Assírio & Alvim, 1997)
marcadores:
Francesa,
Herberto Helder,
Michaux
[outros melros LVII]
CARLOS MOTA DE OLIVEIRA
A BAGAGEM
(de Rio Arade, Edição de Autor, 1989)
CARLOS MOTA DE OLIVEIRA
A BAGAGEM
Acomodo a um canto do barco a minha pasta e Maria toma-lhe o peso. Só lá tenho coisas leves: castanhas, queijos, azeite, tecidos brancos de algodão, maçãs vermelhas, chapéus de feltro, raposas negras, vinho de palmeira, madeiras valiosas, milho, feijão, um lápis, uma borracha, sete ou oito poemas sobre a praia da Galé, um lenço, vinho novo para oferecer a Júpiter e alguns melros com o peito alaranjado.
(de Rio Arade, Edição de Autor, 1989)
marcadores:
Carlos Mota Oliveira,
melros,
prosa
7.2.10
CABRAL DO NASCIMENTO
CANTIGA
Coração, onde vos tinha
Posto, se aí vos ficáreis,
Não veríeis novas caras.
Mudei sempre a minha rota,
Deixei isto por aquilo,
Troquei a vida por outra,
Desiludi o destino.
Pus o Norte onde era o Sul,
Do que era noite fiz dia;
Porque não ficastes mudo,
Coração, onde vos tinha?
Torci a roda do leme,
Rasguei as folhas dos mapas,
Tornei as horas incertas,
Depois de serem exactas!
Mas sempre, sempre a meu lado
Alguma coisa caminha;
Antes ficásseis calado,
Coração, onde vos tinha.
(de Confidência, 1945)
CANTIGA
Coração, onde vos tinha
Posto, se aí vos ficáreis,
Não veríeis novas caras.
Mudei sempre a minha rota,
Deixei isto por aquilo,
Troquei a vida por outra,
Desiludi o destino.
Pus o Norte onde era o Sul,
Do que era noite fiz dia;
Porque não ficastes mudo,
Coração, onde vos tinha?
Torci a roda do leme,
Rasguei as folhas dos mapas,
Tornei as horas incertas,
Depois de serem exactas!
Mas sempre, sempre a meu lado
Alguma coisa caminha;
Antes ficásseis calado,
Coração, onde vos tinha.
(de Confidência, 1945)
Subscrever:
Mensagens (Atom)