JOSÉ ALBERTO OLIVEIRA
TEORIAS DA LUZ: O ESPELHO
Seria uma execução
quase perfeita, embora
lhe falte esse músculo
imprevisível, a que chmam
alma ou inspiração,
ou mesmo (os mais obstinados)
a verdade - a convicção
de que o mundo pode ser explicado
em poucos segundos
(ou que não chega
um semestre inteiro)
pelo reconhecimento
de uma promissória
(mesmo de uma taxa
sobre perdas comerciais)
a quem, de forma quase perfeita,
que roça o absurdo,
executou tais linhas.
(de Mais Tarde, Assírio & Alvim, 2003)
4.6.05
BLAISE CENDRARS
(...)
Quand on voyage on devrait fermer les yeux
Dormir j'aurais tant voulu dormir
Je reconnais tous les pays les yeux fermés à leur odeur
Et je reconnais tous les trains au bruit qu'ils font
(...)
(excerto de Prose du Transsibérien et de la Petit Jeanne de France, 1913)
(...)
Quand on voyage on devrait fermer les yeux
Dormir j'aurais tant voulu dormir
Je reconnais tous les pays les yeux fermés à leur odeur
Et je reconnais tous les trains au bruit qu'ils font
(...)
(excerto de Prose du Transsibérien et de la Petit Jeanne de France, 1913)
3.6.05
EUGÈNE IONESCO
(in A Busca Intermitente, tradução de Manuel João Gomes, Difel, 1990)
Para se escrever, é preciso não se ter nada para fazer, não ter um romance, ou uma peça ou um ensaio, ou um discurso para escrever.
Escrevo porque não tenho de escrever. Não sou obrigado. Não escreverei quando começar a escrever a minha peça (que espero poder, ter tempo de, escrever).
Mas, neste momento, diante deste belo jardim, com esta bela cerca à volta ? como não tenho nada que escrever, escrevo... Escrevo.
Escreva, continue a escrever para enriquecer a língua francesa.
Eu não deveria gracejar. Mas deve gracejar-se, claro.
Podemos fazer gracejos amargos, doces, desagradáveis, agradáveis, cruéis, ternos, cor-de-rosa, negros, temíveis, tranquilizadores, delicados, indelicados, perversos, honestos, sentidos, malcheirosos, calmantes, exasperantes, tristes, alegres, salgados, sem sal, apimentados, melífluos, lisonjeiros, acerbos, banais, originais, doentios, saudáveis, ociosos, pedantes, aborrecidos, inquietantes, alucinantes, realistas, irreais, risonhos, corteses, descorteses, secos, sumarentos, nobres, burgueses, populares, truculentos, simplistas, tristes, dementes, petulantes, fora de moda, modernos, insignificantes, arejados, viciados, etc... etc...
Colocar por ordem. Se tiverem - e vocês têm - tempo a perder. Em vez de lerem Agatha Christie, por exemplo.
Escrevo porque não tenho de escrever. Não sou obrigado. Não escreverei quando começar a escrever a minha peça (que espero poder, ter tempo de, escrever).
Mas, neste momento, diante deste belo jardim, com esta bela cerca à volta ? como não tenho nada que escrever, escrevo... Escrevo.
Escreva, continue a escrever para enriquecer a língua francesa.
Eu não deveria gracejar. Mas deve gracejar-se, claro.
Podemos fazer gracejos amargos, doces, desagradáveis, agradáveis, cruéis, ternos, cor-de-rosa, negros, temíveis, tranquilizadores, delicados, indelicados, perversos, honestos, sentidos, malcheirosos, calmantes, exasperantes, tristes, alegres, salgados, sem sal, apimentados, melífluos, lisonjeiros, acerbos, banais, originais, doentios, saudáveis, ociosos, pedantes, aborrecidos, inquietantes, alucinantes, realistas, irreais, risonhos, corteses, descorteses, secos, sumarentos, nobres, burgueses, populares, truculentos, simplistas, tristes, dementes, petulantes, fora de moda, modernos, insignificantes, arejados, viciados, etc... etc...
Colocar por ordem. Se tiverem - e vocês têm - tempo a perder. Em vez de lerem Agatha Christie, por exemplo.
(in A Busca Intermitente, tradução de Manuel João Gomes, Difel, 1990)
RAIMOND CARVER
Bobber
On the Columbia River near Vantage,
Washington, we fished for whitefish
in the winter months; my dad, Swede-
Mr. Lindgren-and me. They used belly-reels,
pencil-length sinkers, red, yellow, or brown
flies baited with maggots.
They wanted distance and went clear out there
to the edge of the riffle.
I fished near shore with a quill bobber and a cane pole.
My dad kept his maggots alive and warm
under his lower lip. Mr. Lindgren didn't drink.
I liked him better than my dad for a time.
He lets me steer his car, teased me
about my name "Junior", and said
one day I'd grow into a fine man, remember
all this, and fish with my own son.
But my dad was right. I mean
he kept silent and looked into the river,
worked his tongue, like a thought, behind the bait.
Bóia de Pesca
No rio Columbia ao pé de Vantage,
Washington, íamos à pesca do salmão branco
nos meses de inverno; o meu pai, Swede-
o Sr. Lindgren-e eu. Eles usavam carretos,
longas chumbadas, moscas vermelhas, amarelas
ou castanhas, com engodo de larvas.
Eles queriam distância e saíam dali
para junto dos rápidos.
Eu pescava na margem com bóia de ouriço e uma cana.
O meu pai mantinha as larvas vivas e quentes
debaixo do lábio inferior. O Sr. Lindgren não bebia.
Por uns tempos, gostei mais dele do que do meu pai.
Deixou-me dirigir o seu carro, implicava
com o meu nome "Junior", e dizia
que eu havia de me tornar num tipo decente, lembrar
tudo isto e pescar com o meu filho.
Mas o meu pai tinha razão. Refiro-me
a ele manter silêncio e olhar o rio
movendo a língua, como uma ideia, por trás do isco.
(tradução minha)
Bobber
On the Columbia River near Vantage,
Washington, we fished for whitefish
in the winter months; my dad, Swede-
Mr. Lindgren-and me. They used belly-reels,
pencil-length sinkers, red, yellow, or brown
flies baited with maggots.
They wanted distance and went clear out there
to the edge of the riffle.
I fished near shore with a quill bobber and a cane pole.
My dad kept his maggots alive and warm
under his lower lip. Mr. Lindgren didn't drink.
I liked him better than my dad for a time.
He lets me steer his car, teased me
about my name "Junior", and said
one day I'd grow into a fine man, remember
all this, and fish with my own son.
But my dad was right. I mean
he kept silent and looked into the river,
worked his tongue, like a thought, behind the bait.
Bóia de Pesca
No rio Columbia ao pé de Vantage,
Washington, íamos à pesca do salmão branco
nos meses de inverno; o meu pai, Swede-
o Sr. Lindgren-e eu. Eles usavam carretos,
longas chumbadas, moscas vermelhas, amarelas
ou castanhas, com engodo de larvas.
Eles queriam distância e saíam dali
para junto dos rápidos.
Eu pescava na margem com bóia de ouriço e uma cana.
O meu pai mantinha as larvas vivas e quentes
debaixo do lábio inferior. O Sr. Lindgren não bebia.
Por uns tempos, gostei mais dele do que do meu pai.
Deixou-me dirigir o seu carro, implicava
com o meu nome "Junior", e dizia
que eu havia de me tornar num tipo decente, lembrar
tudo isto e pescar com o meu filho.
Mas o meu pai tinha razão. Refiro-me
a ele manter silêncio e olhar o rio
movendo a língua, como uma ideia, por trás do isco.
(tradução minha)
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1.6.05
Há dias, no concurso do serão da RTP, perguntava-se quem era o Presidente da República no momento da adesão de Portugal à então C.E.E., apresentando as seguintes hipóteses:
a) Freitas do Amaral
b) Mário Soares
c) Jorge Sampaio
O concorrente, um rapazinho de 19 anos, hesitou, ponderou e respondeu que a certa era a b). Ou seja: foi, tal como os milhares (milhões?) de pessoas que assistem ao programa, induzido a acreditar numa falsidade.
Vejamos, então: o Tratado de adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia foi assinado em 1985 pelo Primeiro-Ministro Mário Soares, passando o nosso país a ser membro de pleno direito na passagem de ano seguinte; Ramalho Eanes terminou o seu segundo mandato de Presidente da República em 9 de Março de 1986, com a tomada de posse do seu sucessor, Mário Soares, eleito dois meses antes.
O entretenimento televisivo pode ser uma forma muito boa e eficaz de ajuda ao conhecimento, mas é tremendamente perverso quando se deixam passar impunemente disparates destes.
a) Freitas do Amaral
b) Mário Soares
c) Jorge Sampaio
O concorrente, um rapazinho de 19 anos, hesitou, ponderou e respondeu que a certa era a b). Ou seja: foi, tal como os milhares (milhões?) de pessoas que assistem ao programa, induzido a acreditar numa falsidade.
Vejamos, então: o Tratado de adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia foi assinado em 1985 pelo Primeiro-Ministro Mário Soares, passando o nosso país a ser membro de pleno direito na passagem de ano seguinte; Ramalho Eanes terminou o seu segundo mandato de Presidente da República em 9 de Março de 1986, com a tomada de posse do seu sucessor, Mário Soares, eleito dois meses antes.
O entretenimento televisivo pode ser uma forma muito boa e eficaz de ajuda ao conhecimento, mas é tremendamente perverso quando se deixam passar impunemente disparates destes.
MARTÍN LOPEZ-VEGA
PAS SANS LE PRÉSERVATIF
Le préservatif doit être placé
sur le coeur en êrection
avant tout contact
entre le coeur
et la vision du partenaire
afin d'aider à prevenir
toute maladie emotionelment transmissible.
(de Travesías, Renacimiento, 1999)
PAS SANS LE PRÉSERVATIF
Le préservatif doit être placé
sur le coeur en êrection
avant tout contact
entre le coeur
et la vision du partenaire
afin d'aider à prevenir
toute maladie emotionelment transmissible.
(de Travesías, Renacimiento, 1999)
30.5.05
[outros melros XXV]
MÁRIO DE CARVALHO
(in Os Livros no Parque, editado por 9 editoras e distribuído gratuitamente na Feira do ano passado)
MÁRIO DE CARVALHO
Gosto de melros, os espertotes, ladinos, com aquele jeito preto de recalcitrar de lado. Há poucos pelas relvas de Lisboa, não sei se da concorrência de pardais fura-vidas e de pombalhões abafa-espaços, se de uma vontade de saltitar ao de leve por outras bandas.
Ainda assim, aparecem uns tantos pela feira do livro, a lavrar no parque. Negrejam aos picos no verde, dão-se a uns desenfados de voejo breve, armados em superiores. Bonito bicho, de muita inspiração literária. Ele é o Jean-Baptiste Clément, ele é o Junqueiro...
Não há melros num espaço fechado, num armazém tristonho e esquadrinhado de encontrões sem sol. Todos os anos aquele para-baixo e para-cima, os encontros de fulano e cicrano, as capas que amadurecem de ano para ano, a luz explosiva de Lisboa, os revérberos, o Marquês que medita, as frondes da avenida, o Tejo glauco a fechar as vistas.
Tenho estado em salões, por essa Europa. Salões, salas grandes, com o seu quê de fábrica e hangar. Em parte nenhuma há esta cor, esta brisa este céu, esta extensão clara, esta alegria. Mude-se o que houver a mudar. O espaço, deixar estar.
Ainda assim, aparecem uns tantos pela feira do livro, a lavrar no parque. Negrejam aos picos no verde, dão-se a uns desenfados de voejo breve, armados em superiores. Bonito bicho, de muita inspiração literária. Ele é o Jean-Baptiste Clément, ele é o Junqueiro...
Não há melros num espaço fechado, num armazém tristonho e esquadrinhado de encontrões sem sol. Todos os anos aquele para-baixo e para-cima, os encontros de fulano e cicrano, as capas que amadurecem de ano para ano, a luz explosiva de Lisboa, os revérberos, o Marquês que medita, as frondes da avenida, o Tejo glauco a fechar as vistas.
Tenho estado em salões, por essa Europa. Salões, salas grandes, com o seu quê de fábrica e hangar. Em parte nenhuma há esta cor, esta brisa este céu, esta extensão clara, esta alegria. Mude-se o que houver a mudar. O espaço, deixar estar.
(in Os Livros no Parque, editado por 9 editoras e distribuído gratuitamente na Feira do ano passado)
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