19.9.09

MIGUEL MARTINS


De vez em quando, do outro lado da linha,
há um silêncio, um choro emudecido,
uma canção que queremos tua e minha,
e, ao chegar ao fim, há um estampido.
A garganta rebenta, o coração implode,
e, no silêncio triste, fica a esperança
do que parece não poder mas pode
ressuscitar, ser de novo criança.
Todos os dias, todo o dia morro,
há meses, anos, que estou pensando em ti,
rogando o teu regresso em meu socorro,
como naquele dia em que te vi.


***


semente de luz fechada entre teus seios
como uma madrugada sempre à espera
que eu fosse quem queria mas não era
capaz de fazer teus os meus enleios
cujos nós somos nós e quem me dera
fossem outros e como os crês alheios

para que em tua ausência não sangrasse
a cada esquina de alma num assombro
que cada umbral me parece o teu ombro
e um beco sem saída um desenlace
pois o amor descobre no seu escombro
outro modo de dar a mesma face

já que melhor não sou nem me adivinho
posto em sossego podando o teu jardim
a ver se o meio me justifica o fim
eis-me lavrando canções de verde pinho
eis-me morrendo suspenso do teu sim
eis-me aqui suplicando pelo teu linho

nestas linhas cerzidas a saliva
esfriada nas manhãs de mãos vazias
que são as minhas mãos todos os dias
perdidas e achadas à deriva
tacteando-te o ventre em pedras frias
matéria morta em que te sei tão viva

(daqui e daqui, respectivamente)

18.9.09

JOSEFA DE AYALA

Retrato do Beneficiado Faustino das Neves, c. 1670
Igreja de Santa Maria de Óbidos


(reproduzido a partir de Linha do Oeste - Óbidos e Momentos Artísticos Circundantes, coordenação de Benedita Pestana, Assírio & Alvim, 1998 - volume adquirido ao Henrique, na companhia do José do Carmo Francisco)


RUY BELO

O BENEFICIADO FAUSTINO DAS NEVES


Quem seria o beneficiado faustino das neves
que vê de viés quem o visita alguma vez?
Pergunto e não quero que ninguém me responda
perguntar por perguntar pode ser a mais alta forma de saber
A pergunta ondula no ar ou na alma como uma nuvem
será talvez um til num texto uma ruga na testa
um gesto de quem contesta uma leve crispação da crista
Não importa talvez o que se pergunta mas como se pergunta
a ânsia na voz o brilho nos olhos um movimento de pés
Que me importa a mim faustino das neves mero pretexto para isolar
da boca cariada do tempo um simples olhar?
Que importa um olhar a análise dos tecidos orgânicos
dos olhos das células vivas de súbito impressionadas
e das fotografias logo reveladas na câmara escura do cérebro?
Um olhar interroga um olhar duvida talvez um olhar é coisa de tempo
é a mais funda fala de quem num momento se sente bem
se despede de si mesmo de todos se isola cortante como uma proa na vida
Olhar é talvez como que pensar como sentir como dissimular que se sente
e às vezes dar vida a casas costumes coisas ao vento
ao vento que varre todos os gestos que desenhamos nos dias
é lutar corpo a corpo com corpos provisoriamente opostos ao nada
é uma sala de estar onde os amigos podem entrar de chapéu na cabeça
tuna sala onde a luz levanta a manta de velhas coisas inúteis envoltas em volta
Nos olhos começa às vezes o mar os olhos animam nas coisas o vento
nascem nos olhos as nuvens que arrastam consigo a tristeza para o lado sul
Faustino das neves não é homem de anjos
repele discretamente as mãos coercivas do transcendente
joga tudo na vida volta-se de uma vez para sempre para estes dias
emerge da sombra para os mais leves sintomas do sol
sai das mãos de josefa pra uma tela sombria do século dezassete
abandona na ponta dos pés a igreja da santa casa da misericórdia
pisa na noite as pedras da vila de óbidos
Faustino das neves muda de roupa põe o breviário de lado
actualiza certos aspectos antiquados do seu português
submete-se às leis da fonética embora saiba que há quem negue que sejam leis
responde aos inquéritos linguísticos por correspondência do doutor paiva boleo
enriquece o léxico com nomes de coisas do novo mundo com termos técnicos
com construções colhidas nas páginas de aquilino ribeiro ou guimarães rosa
maneja também para isso os modernos meios audio-visuais
anda a par das novas conquistas do estruturalismo evita os vários suplementos literários
embora tenha ouvido falar de fernando luso soares e alberto ferreira
acompanha mesmo as novas correntes do pensamento
Faustino das neves caminha por óbidos mas é um homem do nosso tempo
sensível aos slogans ao chamamento luminoso das montras
recorre ao crédito contribui irresistivelmente para a inflação
que um governo em guerra prometeu combater não sabe bem como
não tem precisão de emigrar mas intervém nos problemas do nosso tempo
assina o seu nome em listas apresenta-se como intelectual responsável
é até dos homens mais à esquerda do nosso país
pensa talvez promover ortodoxamente em portugal
exactamente a revolução russa de mil novecentos e dezassete
Faustino das neves olha através dos séculos
coloca o pé pisa as pedras as nuvens com elegância
conspira diz mal calcula caminha na vida
O beneficiado não crê na promessa do dia nem na verde alegria
de banhar o rosto num instante na própria fonte
de ver sequer de passagem mais que a sua simples imagem
esse núcleo de luz ardente que agora tenho na minha frente
essa fuga feliz a um mundo onde dia a dia me afundo
talvez a única sombra que a mim me deslumbra
sonhada morada nunca conseguida
sensível e audível e palpável mas inconcebível
desmedido portal onde poderá começar o ignoto mundo do mal
onde uma coisa logo que nomeada é coisa realizada
Josefa foi a submissa foi decerto a pintora mas foi também
doméstica e simples e amiga e mãe
Josefa de óbidos não pinta há muito anda assustada
o seu cliente beneficiado fugiu-lhe ingratamente das mãos
não a respeita não reconhece que só graças a ela chegou até hoje
e a pintora tem o seu nome uma reputação nacional e até
internacional devida talvez a josé augusto frança
começa a recear as consequências de ter criado tal criatura
Josefa de óbidos ficou no seu tempo pintou metafisicamente um olhar
meteu-o na cara de um homem enquadrou esse homem numa classe
ficou descansada tinha a imortalidade assegurada
mas agora até pensa deixar talvez de pintar
Josefa de óbidos noutro país talvez tivesse pintado
essas bolas de sabão que manet continua a soprar até nós de um longínquo verão
como imagem do tempo da vida da terra em breve desaparecida
ou aquele menino togado mas truncado
que jaz no prado irremediavelmente ameaçado
pelo perene fado essa mensagem do passado
transmitida ao presente eternamente
ou aquela dama romana donde intermitentemente mana
o mar de recordar esse insistente soluçar
de quem tem no olhar uma forma garantida de passar
a vida indiferentemente recordada esquecida
mais tarde também josefa se fosse um homem
ou enfim defendesse a liberdade sexual da mulher
talvez decerto com a sua dose de sorte se chamasse goya
assistisse a touradas pusesse saber e sabor em pintar aquele picador
que pica um touro castigado nalgum domingo do século passado
ou se não mais na sua linha um cardeal de goya frio fixo como uma jóia
que um homem depois de ver de boamente consente em morrer
ou as perfeitas santas justa e rufina onde se afina e refina
a mão que por vezes guia a loucura através do pretexto da pintura
Mão que não sentiu a pouco e pouco gastar os dedos do autor a pintar
que pintou noite e dia sem sentir que se desfazia
para para sempre ficar num grupo álacre que a dançar
envolve na roda a distância do requinte e da elegância
de quem num instante ímpar se desenha no ar
para tudo e todos imolar ou pelo menos diminuir
Josefa não pode parar talvez quem saiba consiga pintar
a maja desnuda ou a maja vestida
os velhos vorazes que no comer põem a mais viva forma de morrer
essa romaria de santo isidro onde há gente que deve os olhos de vidro
ao vinho e à mais triste alegria que num madrid há muito passado se construía
ou o cão já meio afogado só salvo depois de pintado
com a raiva de quem assassinasse talvez a própria mãe
ou a si mesmo se houvesse matado ao deixar-se auto-retratado
A pintora de óbidos desconhece a finura o donaire o sorriso dessa figura
helena fourment modelo de rubens uma criatura da terra que até hoje perdura
não viu uma velha de duas igrejas fiar e de fuso na mão para sempre ficar
com o tempo todo na face mãos fechadas sobre a velhice
ou a usurária de ribera mulher que é hoje na tela mais que no tempo era
mulher mumificada na mão levemente destacada
território de rugas talvez onde se intensifica a luz
rosto rijo e rigoroso onde o boletim meteorológico anuncia sempre tempo invernoso
olhos que no campo circunscrito da parecença
distinguem a distância que existe entre quem começa
e quem a vida já vela com um véu de névoa
Josefa pinta como quem pensa ou considera e só assim recupera
esse passado mais que no nome na realidade inexoravelmente passado
por ser a mesma mulher e serem freiras e serem viúvas ou outras quaisquer
ou esse santo por heredia pintado e depois disso irremediavelmente degolado
e não menos que o anterior cão deixado nas águas do tempo afogado
Josefa na arte comprometida passaria o pincel pela vida
pelo baile campestre alegre e triste
onde é visível o vento que apenas dura nesse momento
em que se dança intensamente e alguém vai e vence
com a decisão inabalável das marés do mar o bailarino mais exímio a dançar
casamento campestre conjunto de gestos urbanos num meio agreste
neptuno do olhar velado neste mesmo instante emerso do mar do passado
objecto de gesto jamais talvez ultrapassado apesar do desígnio sempre esboçado
por quem um dia nalguma parte deu o que tinha e não tinha pela arte
Josefa de óbidos assustou-se porém pois podiam dizer a alguém
que pintar implica ao fim e ao cabo ter um pacto com o diabo
pois o diabo vivia nos dias de então vestia a toga da inquisição
e a pintora pensou deixar a pintura com medo da alma e da censura
Não existe decerto censura mas o gesto foi sábio porquanto existe o exame prévio
e se formos a pensar um bocado é realmente perigoso pintar um beneficiado
pois bem vistas as coisas o homem às vezes é vário muda de roupa deixa o breviário
sopram os ventos da história e modificam a forma de toda a matéria
e talvez tenha sido assim que faustino se pôs a pensar josefa que foste tu fazer

(de Toda a Terra, 1976)

17.9.09

VASCO MIRANDA

3


Rios de sombra e ciúme
Cavalgando a antemanhã
E nas esporas de meu canto
Velas de barcos aportando
Velas de todos os ventos
Velas de todos os cais
Velas de todas as lotações
Poeta e navio singrando
Nas ondas submergidas
As moídas canções de regresso
Tatuagens a cobardia e silêncio
Nas gargantas enrouquecidas
De vermes encadernados
Rios de sombra e ciúme
Como de inúteis distâncias
Poeira de ventos apenas
Dispersas mortes errando


(de Invenção da Manhã, 1963)

16.9.09

LARS FORSSELL



Eu queria escrever mas
porque é que se tem de organizar tudo

tão exactamente

As coisas não são tão rigorosas

A estrada do tinteiro à página
é comprida demais e além disso
é preciso segurar a pena de uma
maneira especial como eu fazia quando tinha seis anos e
a língua pousava no — era o canto esquerdo
da boca? e eu aprendi tudo o que
quer que foi
que eu aprendi

Agora aprendi algo diferente

Despejo o tinteiro no papel
Dá uma imagem do que eu quero dizer
Dá uma imagem perfeitamente clara
de tudo o que aprendi

(tradução de Vasco Graça Moura, in 21 Poetas Suecos, Vega, s. d.)

15.9.09

FILINTO ELÍSIO


ODE

Em 23 de Dezembro de 1805, dia dos meus anos

Vate, que mandar quer à eternidade
Seu nome e seus escritos
Talhe os seus pensamentos, talhe as vozes
Pelos moldes de Píndaro.
Imprima na memória que, sentado
Coas Musas, com Horácio,
O vê num tribunal severo, augusto,
Onde condena e risca
Quanto mingua da lírica sublime,
Que em seus cantos ressoa.
Assim moldava Elpino as suas odes,
E com nobre ousadia
Ia ao conclave douto apresentá-las.
De Elpino ao lado, Alfeno
Cantatas e sonetos e altos hinos
Também lá modulava.
Ambos louvor das Musas conseguiam.
Pobre de mim, coitado,
Que nunca irei, coa minha ensossa prosa,
Causticar os ouvidos
Das Musas, nem de Horácio, nem de Píndaro,
Quando mormente a idade
Com mão avara me murchou na mente
Toda a flor, todo o brilho
De ingenhosas ficções, de altivo canto!
Muito há que é já volvido
O tempo em que eu cantei Gama, Albuquerque,
Cantei Delmiras, Márcias,
Com sons que eu escutava à minha Clio,
Essa Clio, que, olhando
Minhas cãs, me deixou ao desemparo,
Para ir folgar mui pronta
Cos alunos, que inspira lá na Elísia.
Traz mágoas mil consigo
A velhice; e não é a menor delas
Quebrantar os impulsos
Com que o génio ao sublime se arremessa.
Hoje mesmo, que esforços
Mais que sobejos fiz por dar um salto
Às margens do Permesso,
Exausto o corpo, os pés enfraquecidos
Negaram obediência.
Fiz promessas a Febo, invoquei Musas;
Contei-lhes que era o ano
Sobreposto ao meu lustro quatorzeno;
Inculquei-lhes, com súplica,
Que dois leais amigos, que Delmira
Em dia tal esperam
Divinos toques de canoro plectro
Que celebrem o assunto.
Inútil foi o esforço, o rogo inútil,
Fiquei aquém das margens
Lastimando meus fados desvalidos.
Apenas lá de um eco
Respirou uma voz fraca e mesquinha,
Com este desconsolo:
— És velho, e um velho só com sons caducos
Desentoa ruins trovas.

(in Poesias, livraria Sá da Costa, 1941)

13.9.09

ALBERTO PIMENTA


jardim zoológico


dum lado da jaula
os que vêem
do outro
os que são vistos

e vice-versa



No dia 31 de Julho de 1977, Alberto Pimenta, cidadão nacional n.º 0727697, esteve exposto entre as 16 e as 18 horas numa jaula do Palácio dos Chimpanzés do Jardim Zoológico de Lisboa.
Em Abril de 1981, o Rádio-teatro de Estocolmo emitiu uma adaptação radiofónica do acto, da autoria de Margareta Ahlberg. Na sequência disso, Per-Eric Gustavsson repetiu o acto no Zoo de Estocolmo, e o actor espanhol Alberto Vilar encenou-o em vários Jardins Zoológicos.





APÊNDICE

MATERIAIS PARA A ELABORAÇÃO DUM DE PAUS E OUTRO DE COPAS

VOX POPULI

– Ó homem, não te vás, anda pràqui ver.
– Ver o quê? É algum strip-tease?
– Não, parece que vão cantar o fado.
– É para fazer algum exercício.
– Olha, ele aí vem, há espectáculo. Eu vou ver isto.
– Aí vem ele, meu Deus, vamos embora.
– Olha o homem, olha! Que vem a ser isto?
– Se calhar não tem casa. É a primeira vez que vejo isto.
– Aquilo ali é um homem, estás a ver?
– Espera aí que já vai dar. – Dar o quê?
– Ó pá, anda cá ver isto! Aqui o macaco é um homem.
– Ó pá, isto é um festival do caraças. Vamos embora, que isto é para nos tramar.
– Já me estão a lixar, o gajo está ali a fazer a caricatura da malta.
– Tem cara de parvo, deve ser anormal.
– Tem um tipo esquisito.
– Se calhar é tarado sexual. – Não, ele é racional. – Mas não fala.
– Vamos mas é embora daqui.
– Ele é português? – Deve ser estrangeiro.
– Ele que ali está, é porque alguma fez.
– Ai que impressão isto faz, na quarta-feira ainda não estava cá nada.
– Ainda há bocado cá passei e quem estava era o gorila.
– Não percebo o que ele quer! Que é que quer dizer «homo sapiens»?
– Então, é uma espécie de macaco. É um animal como os outros.
– Pois, ele parece um homem em tudo... está vestido.
– Então havia de estar nu? – Sei lá!
– É um reclame qualquer, é só um reclame.
– É um homem, mas deve ser uma espécie rara.
– Isto não havia antes. São estes tempos, anda tudo maluco.
– Eu tenho a impressão que é um homem normal.
– Não, normal não pode ser, senão não estava ali. É maluco, anda à solta.
– Ou tarado sexual.
– Ora, isto é tudo preparado.
– Ele que está ali tem que ter um significado.
– Então, é uma ideia nova.
– Quem vai reagir mal são os católicos: isto quer dizer que o homem descende do macaco.
– O raio do homem é muito habilitado a estas coisas, mas não há-de ser mais nada.
– Que horror isto!
– O aspecto dele é que me confunde. Se tivesse ar andrajoso, ainda estava bem. Mas assim...
– Já há portugueses enjaulados? Já não servem as cadeias?
– Ele não é português.
– Isto deve ter um mistério qualquer.
– Devem-lhe ter pago, ou então gosta. – Está ali, está a ganhar bem.
– Na minha, ele fez alguma coisa.
– Se ele fala, por que é que não diz por que é que está ali?
– Então, a gente diverte-se a olhar para ele, e ele diverte-se a olhar para a gente.
– Como é que é permitido isto é que a gente não percebe.
– É uma vergonha para o país.
– Ele é estrangeiro.
– Por que é que não fax isto na terra dele?
– Ele está a olhar para nós com aquele olhar fixo...
– Os macacos às vezes também é assim.
– Está ali um senhor dentro da jaula. O que é, paizinho?
– Não sei, filho, não sei. Não gosto de ver isto, meu Deus, vamos embora.
– Será parvo? Aquilo é lugar para um homem?
– Se calhar é para ver a reacção do público.
– Não, ele não sabe fazer nada, tem aquele ar imóvel.
– Fez alguma coisa má, e prenderam-no ali.
– A vergonha é para os outros, é para nós. – Sim, que é que a gente está aqui parado a fazer? Homens não faltam, não é preciso vir cá vê-lo.
– Pois é, mas os que estão presos, a gente não vê.
– Se calhar é isso que ele quer dizer.
– Isto é muito raro num jardim zoológico.
– É preciso ser chanfrado.
– É preciso é ter uma coragem do caraças.
– Então, não somos também animais?
– É o homem-macaco. Caçaram-no por lá na selva.
– Eu já ouvi falar. – É, é conhecido. – É o homem sapiens, é o homem da selva.
– E ele faz ali as necessidades?
– Isso acho que não. Ainda não se viu.
– Olha, filho, olha um mono igual a ti.
– Está o macaco, está o homem.
– É gente parva. Que espectáculo!
– Olha, uma coisa que eu não esperava. Já viste?
– Isto é novo aqui.
– Ai que rico espectáculo, um homem na jaula. E de borla. Ai que macacão!
– Eu até gosto de ver isto. Deviam era estar lá mais como ele.
– Que escândalo, meu Deus! Se o pusessem noutro sítio, ao pé das aves, ainda vá, mas aqui ao pé dos macacos!
– Então a polícia já não serve para estas coisas? Que é que ele está a fazer lá dentro?
– Ele não tem medo de estar ali? – Por que é que havia de ter?
– Vocês vão andando, eu fico; quero ver o que isto dá até ao fim.
– É o homem da nossa época.
– Não se entende!
– Aquilo é qualquer coisa.
– É o mundo em que vivemos.
– Faz impressão.
etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc

(de IV de Ouros, Fenda edições, 1992 – foto de Jacques Minassian)